Dia 30/11, 21:30.
Pegamos um Uber das proximidades do estádio do Palmeiras para o hotel. O motorista estava curioso sobre por que as ruas ao redor não estavam mais fechadas. “O show foi cancelado” — disse a ele. Não acreditou. Horas antes havia deixado mãe e filha, que vinham de outra cidade, para ver o show. Então contei a seguinte história…
Minha filha adora o cantor canadense de 21 anos, filho de português, Shawn Mendes. É um novo Justin Bieber melhorado, pois tem uma pegada mais autoral e aparenta ser bom-moço.
Pois quando, em fevereiro, abriram as vendas para o show do dia 30/11 em São Paulo e decidimos que levaríamos nossas filhas e duas amigas. Conseguimos os ingressos com dificuldade por causa da procura e sistema adotado pelo site. O sucesso das vendas foi tão grande que em seguida também abriram sessão extra para um dia antes, 29. Compramos passagens e reservamos hotel na mesma ocasião. Os pais das amigas precisaram se preocupar também com as burocráticas autorizações de viagem e de acesso a eventos para virem sozinhas conosco.
Como toda adolescente, mil planos e sonhos passavam por suas cabeças. Malu, com sua autoestima e espírito sonhador sempre disse — em um misto de convicção e brincadeira — que iria casar com Shawn Mendes.
Viemos para SP. Ouvimos declaração superentusiasmadas de quem foi ao concerto do dia 29 no Allianz Parque. Como pai, embarquei na felicidade das gurias e estava empolgado também com nossa vez no dia 30.
Os portões abririam às 16:30. Chegamos 17:30 e achamos estranho que ainda estavam fechados e a fila gigantesca, algo pelo qual não esperava, devido à excelente vazão de entrada que o local proporciona. Pelas 18h alguém na nossa frente falou que o show estaria cancelado. Não dei importância, mas logo o assunto voltou à fila e resolvi checar nos sites de notícias. Alguns já noticiavam. Fui nos stories do cantor e ele mesmo confirmara que, por precaução com suas cordas vocais, o médico aconselhou a não se apresentar naquela noite.
Não é preciso dizer que o clima de velório se abateu sobre a massa de fãs adolescentes. Incrédulas, continuavam em seus lugares na fila, se agarrando no último resquício de esperança; como se estivessem vivendo um pesadelo do qual logo acordariam. Mas era verdade. Minha filha e as amigas, que iriam a seu primeiro grande show, desabaram. A gente sempre pensa que qualquer coisa pode dar errado em uma “aventura” interestadual como esta: que o avião vai cair, que não irão aceitar as autorizações de viagem das amigas, que a reserva do hotel vai falhar, que irão nos assaltar em São Paulo… Tudo passa pela nossa cabeça, menos que o artista vai cancelar o show.
Volta e meia a Malu me falava sobre como Shawn Mendes era legal com os fãs e que, quando algo não combinava com essa imagem, era culpa dos seguranças que nem sempre deixam ele se aproximar das pessoas, ou da produção que diz para ir descansar e não tirar mais fotos com ninguém. Subterfúgios desse tipo fazem com que os artistas sejam os bons moços cercados de cuidados profissionais de quem zela por eles. Os maus são os outros.
O motorista só ouvindo e concordando.
Agora, pensa: um show cancelado por uma laringite. Sendo que ele passou o som pouco antes das 16:30. Um médico que, obviamente, não iria atestar que ele pode cantar, colocando em risco os bilhões que giram em torno da carreira do guri. Mas 40 mil pessoas (estimo) ficaram a ver navios por causa de uma dor de garganta. Eu não posso avaliar a gravidade do quadro clínico, claro, mas tenho como dar palite (talvez furado) sobre como sanar o problema e não deixar tanta gente na mão: ele deveria ter ao palco contar do diagnóstico e dizer que havia duas opções: (1) não fazer o show ou (2) fazer com playback. As fãs não iriam se importar. Pelo contrário! Ele sairia por cima! Mostraria que é querido, que se preocupa com as pessoas. Seria mais amado que nunca pelas adolescentes que cantariam de ficar roucas em seu lugar. Mas Shawn Mendes preferiu a opção imatura a estilo Neymar, de quem coloca a culpa nos seguranças por não poder ser mais atencioso e que diz que o médico aconselhou a não cantar. Assim, além não assumir a responsabilidade que deveria como dono de sua própria carreira e reputação, dá provas de que está em apenas em um negócio em que a consideração pelas pessoas não se aplica.
Nisso, o motorista do Uber me fala que no dia seguinte, domingo, Palmeiras e Flamengo jogarão no mesmo estádio. A primeira coisa que pensei foi “Meu Deus! Que logística desmontar um show dessa magnitude em algumas horas para dar espaço a uma partida de futebol de dois grandes times do País”. Mas ele continuou dizendo que nunca houve um jogo ali nessa situação; que sempre que há evento no dia anterior, a disputa é transferida para o Pacaembú.
Eu adoro uma teoria da conspiração. E parece que o uber também. Deixo a imaginação com vocês sobre como a conversa se desenrolou.
Ah! E o aprendizado paras as gurias? Nem todas as coisas se tem controle e que não há pai ou mãe que resolvam de mão beijada para elas. São privilegiadas por terem tido uma oportunidade que quase se concretizou e, duas vezes, por levarem a lição para casa de uma forma, digamos, bem fácil de encarar. A vida vai se encarregar de trazer situações bem mais cruéis.
Dei cinco estrelinhas para o uber.