Eles têm um calefator de dupla combustão. Uma gentileza, sem dúvida, para os clientes que vêm jantar com esse frio todo. Penso em sentarmos à mesa mais próxima para aquecer meus pés congelados, mas lembro das experiências com o que temos em casa. Já queimei as pernas algumas vezes me acomodando perto demais. Na hora não se percebe, mas dois dias depois a pele aparece vermelha, começa a escamar e faz casquinha. Uma violência que a gente não se dá conta. No mínimo, um metro de distância é o indicado. Vamos para a mesa ao lado.
Já estamos jantando quando uma família entra no restaurante e se encanta com o aquecedor à lenha. Sem dúvida não são daqui. “Vamos sentar nesta, que tá uma delícia! Aqui eles precisam disso, viu?” O garçom tenta orientar para que escolham outro lugar, mas, como se diz, “o cliente sempre tem razão”.
As duas mulheres do grupo ficam com as costas a um palmo do ferro quente. Está na cara que não vai dar certo. O funcionário, sem jeito, volta da copa e insiste outra vez. Relutantes, afastam-se uns 10 centímetros e seguem se aquecendo. A distância ainda é curta. Amanhã vão começar a sentir as consequências.
Estou naquele dilema: sei que devo tomar uma atitude mas fico com receio de como receberão minha abordagem. Como falar?
— Senhoras, estão muito perto do calefator. Vai causar uma queimadura que só perceberão depois.
Azar. Não é da minha conta. O garçom já orientou. Quem sou eu pra me meter? Ao mesmo tempo, sinto-me no dever.
— Boa noite. Eu tenho um desses em casa. Algumas vezes já me queimei sentando tão perto.
O prato deles chega. Não vou atrapalhar agora. Imagina fazê-los trocarem de lugar com o pedido já servido. Demorei demais.
Pago a conta e passo por eles.
— Mas essas picanhas vão ficar passadas, hein?!
Mentira. Não falei.