“Escuta a música que fiz com a tua letra. O que tu acha? Posso colocar no disco?”
Eu não lembrava de ter mandado aquilo para o Felipe (Mello, da Doidivanas). Muito menos de ter escrito. Fiquei confuso demais. Ainda mais se tratando de um dos compositores e cantores mais talentosos com quem tive o prazer de tocar e conviver. Forcei a memória por todos os lados. Enfiei um barbante por um ouvido e puxei pelo outro, pra ver se extraia alguma pista dos meus neurônios. Nada. Nenhum verso relampejava sinapse qualquer. Eu precisava ter uma única prova sequer que aquilo era meu.
“Felipe, tem certeza que esta letra é minha?”
Ele garantia. Pelo menos que havia enviado pra ele. Mas eu estava incrédulo. Afinal, todo mundo pode se enganar, trocar as bolas, fazer uma “felipada”. Tá certo, meu estilo meio fajuto de compor estava ali — palavras óbvias, rimas fáceis, toantes (ou assonânticas), construção reta. Mas isso não bastava. E o pior: “o que eu quis dizer com ela?”. Foi quando, um sopro de sanidade — uma microdescarga elétrica, das mesmas que mantêm um trauma vivo na cabeça — me fez lembrar de um caderno velho onde anotava coisas, versos, ideias em geral. Era um bem surrado da faculdade; reaproveitado. Bingo! Estava lá, com minha caligrafia. Ufa! Alívio! Afinal, o meu nome constaria nos créditos do CD e, definitivamente, não queria cometer injustiça com alguém.
Eu ainda precisava batizar a canção, mas não tinha entendido o contexto e a intenção que dei na época. Tranquilo, me pus a interpretar as figuras de linguagem dali. Pela primeira vez na vida, consegui ver algo meu de fora, isento, com os olhos de um terceiro. E gostei. Fiquei feliz. Estava direitinho, apesar de algumas liberdades poéticas que talvez não me permitisse hoje.
Esse olhar externo foi o que me fez escrever este post. Eu sempre quis ver um show da minha banda, mas estando sobre o palco tocando não era possível. Todo mundo que trabalha com criatividade, e com arte principalmente, carece de opinião. A melhor opinião, sem dúvida, seria a sua mesmo, se fosse possível se ausentar de si para um olhar imparcial.
“Dois Polos” foi como a chamei. Está lá, abrindo o disco “O Som da Paisagem” do trabalho solo de Felipe Mello, chamado “Aeroflip“, o qual também tive o privilégio de fazer o projeto gráfico. E, claro, o disco é ótimo, com destaque para “A Casa das Canções”, “Um Blues Depois de Mim” e “Quando o Coração É Um Violão Desafinado”.
Você pode comprar o CD pelo Facebook, solicitando ao Felipe aqui.