O comercial para TV de O Boticário vem causando frisson nos últimos dias (ou seriam “últimas horas”?). Quem já assistiu e sabe da celeuma que se instaurou, pode pular para o próximo parágrafo. O filme publicitário é editado intercalando cenas de homens e mulheres comprando presentes, se arrumando em casa etc., como se aguardassem alguém. A construção do roteiro cria a expectativa de que haverá encontro dos casais no Dia dos Namorados. E realmente há. Mas o plot twist se dá na hora que percebemos que dois dos três casais são homossexuais, um masculino e um feminino. A trilha sonora é o instrumental da canção de Lulu Santos “Toda Forma de Amor”, mas a assinatura da campanha, apesar de graficamente usar cores inspiradas nas do arco-íris, não aborda o tema, dizendo “Entregue-se à tentação de Egeo” — a linha de produtos que está sendo vendida.
A iniciativa é linda! Em um mundo repleto de preconceitos de todos os tipos, é uma benção (se é que os detentores do direito de uso desta palavra me permitem “blasfemá-la”). Só que, claro, diversos ditos defensores da moral, dos bons costumes e da instituição familiar brasileira estão resmungando. E, por causa disso, recebendo tais “denúncias”, o CONAR (órgão de autorregulamentação da propaganda no país) precisa avaliar a situação e julgar se o comercial deve ou não ser retirado do ar. Não acredito que farão uma besteira tão grande.
Devido ao sucesso duplo da campanha (por seu próprio brilho e pelo buzz que o embate está causando nas mídias sociais), algumas pessoas levantam a hipótese de tudo ter sido planejado. Como publicitário, já me passou pela cabeça, várias vezes, criar propositalmente uma crise falsa e estúpida (como esta) contra algum trabalho meu, justamente para promovê-lo ainda mais e fazer o cliente posar de bonzinho. Ele sairia ainda mais fortalecido e com reputação de benfeitor injustiçado. Mas nunca levei a cabo por questões éticas óbvias. Sendo assim, é impossível não pensar na hipótese para o caso atual. O que me dissuade de acreditar nisso, não é genialidade da ideia, pois se até eu a tive, não deve ser tão brilhante assim. O que a torna improvável é o cliente aprovar a conspiração.
Só que as pessoas começam a conversar nas mídias sociais, a pensar (direito ou não) e chegam coletivamente à conclusão de que empresas que têm uma inciativa “corajosa” como essa devem ser valorizadas. Criam uma batalha entre a corrente retrógrada (que nem ousa se pronunciar no Facebook) e a superempresa que vai salvar o mundo do preconceito. E decidem que, mesmo sem gostar dos produtos da marca, consumi-los neste momento é uma forma de incentivo a tamanho ato exemplar de bravura. Artistas também começam a publicar seu apoio, como a foto postada no Instagram do ator Gregório Duvivier.
A campanha será exitosa. O Boticário venderá como nunca!
A partir de agora entra a parte o-que-tu-fumou? da minha abordagem, de onde pode sair, no máximo, um livro de ficção malsucedido. Outras empresas, surfarão na onda e darão representatividade cada vez maior às “minorias”. De repente essas “minorias” começarão a se sentir exploradas em excesso. Irão promover passeatas contra ao capitalismo selvagem que utiliza sua personalidade sem representá-las de fato. E todos sabem o que acontece quando há superexposição de algo, né? Deixa de ser cool e quem vale-se desse apelo sem legitimidade começa a ser mal visto, é repudiado no social media e tudo vira, de novo, o que era antes. Voltam a usar cachorrinhos e crianças na propaganda. Isso, sim, vai vender sempre.