Passagens

canstockphoto0232824Sábado. Vento norte. Porto Alegre, Aeroporto Salgado Filho, Terminal 2, terraço. Michel, 35 anos, observando a pista é abordado por um conhecido.

— E aí, Michel?
— Beleza, cara?
— Beleza.
— Tá vindo direto aqui?
— Não… Só aos sábados. Tô trampando.
— É… Eu também.
— Visse que o horário do Felipe passou para às 10h?
— Vi. Os pilotos estão todos refazendo a agenda. Deve ser por causa das mudanças dos voos, pra Copa. Mudou tudo.
— Deve.

— E o avião novo aquele?
— Legal, meu. Bem joia!
— Tem um ronco mais constante, puxado pro grave, mas com uns ra-ta-tás específicos… Sei lá. Trilouco.
— É. Um som lindo, diferente. Nem parece Boeing.
— Fotografei e mandei lá pro grupo. Colocaram na capa!
— Poxa, que tri!
— Ficou show mesmo. E os caras de São Paulo se puxam nas fotos, então, fiquei felizão!
— Vou ver depois. Ainda não entrei hoje.

— Tá boa a luz hoje, né?
— Céu de brigadeiro.
— É isso aí. Pode crer.

Meia hora depois, Michel senta em um banco, olhando para a pista. Uma senhora já de idade senta junto, na outra ponta, e não contém o entusiasmo.

— Olha, olha, olha…
— Subiu bonito, né?
— Uma pluma… Para um A330…
— É mesmo… A senhora está esperando alguém?
— Não, tô só a passeio. E tu?
— Também.


— Este voo é novo?
— É.
—Sabe que eu gostava mais na época da Varig, da Transbrasil, da Vasp…
— A Vasp era massa, né?
— Todas eram. Época boa que não volta mais.
— Era outro clima… Mas depois de toda a politicagem que fizeram…
— É?
— Pô, cheio de gente graúda envolvida e os caras tentando abafar os escândalos.
— Que coisa séria…
— E os funcionários chupando dedo… Sacanagem…
—Sempre estoura do lado mais fraco.

Ele levanta e, por uns 15 segundos, analisa o monitor de chegadas e partidas. Volta pro lugar.

— Eu agora tô juntando dinheiro…
— É?
— É. Quero ver se eu viajo também.
— Isso é uma coisa boa!
— É, né? Deve ser.
— É bom. É bom, sim.
— Pois é…

Por mais 15 minutos os dois ficaram olhando a pista, até decolar o próximo. O tempo começou a fechar. Michel novamente foi ver o painel de voos e a senhora foi embora. Não se despediram. O vento mudou para noroeste.

O Quarto Escuro

Entrei no quarto escuro. Puro breu. Fui tateando as paredes, sentindo a textura, procurando pistas do que havia ali. O tato dizia que a tinta era preta. Será? Com o pé, senti o rodapé. Devia ser preto também, pois não refletia nada. O piso, liso, mas não escorregava. Não era parquet, pois parquet a gente sente as tabuinhas. Também não era carpete nem lajota. Não fazia inhec-inhec, então, não era emborrachado. Não havia janelas, marcos nem tapetes. Em pouco tempo, já não sabia mais onde era a porta por onde entrei. O lugar era grande. Me desnorteei. Voltei, fui adiante. Cruzei a sala pelo meio, mas do outro lado parecia tudo igual. Continuei pelas paredes e achei uma saliência. Um cartaz. Não, uma plaquinha de sinalização, talvez. Lembrei do celular no meu bolso. Liguei para iluminar. Era uma placa, mesmo. Dizia: “não use flash”.