Bagagens

Esteiras de aeroportos me instigam. Trezentas malas — a maioria preta e da mesma marca. Cento e cinquenta passageiros na dúvida sobre qual é a sua. Alguns colocam fitinha colorida no zíper, outros adesivam para diferenciarem o que é seu. Um tipo menos apegado às coisas materiais pintou suas iniciais em letras garrafais com tinha branca (provavelmente Liquid Paper).

Cada valise tem sua personalidade (ou a de seu dono) que a distingue. Tem as que deslizam explodindo de tão cheias, com os fechos arregaçados; outras mirradinhas, típicas de quem não tinha uma menor ou pretende trazer muita coisa na volta. Tem aquelas de couro, gigantes, antigas, de avô, que deitadas trancam na borda da esteira e de pé não param, de tão finas. Tem sempre uma caixa de papelão, de alguém aproveitando uma promoção para fazer sua mudança, ou um saco todo estropiado, que não entendo como deixam passar no check-in.

E assim vão os passageiros, se acotovelando para conseguirem um lugar na margem desse rio de bagagens. Alguns pegam o que não é seu, mas logo percebem o erro. Tem os que reconhecem a sua pelo tato. Sim! O dono desenvolve uma afeição tal pela mala que vira uma questão de pele — uma relação de anos. Enfim, mesmo com tanta semelhança, as cento e cinquenta pessoas conseguem encontrar seus pertences sem traumas e, praticamente, dispensando a conferência dos recibos na saída para o saguão.

Tem gente mais afeiçoada por sua mala do que pelos seus próprios filhos. Se crianças de menos de cinco anos pudessem ser despachadas como bagagem, teríamos maiores problemas de identificação: “Não é esta. A minha usava brinco!“; “O meu não estava sangrando. Quero um novo!“; “Tem certeza que a sua era uma menina, senhora?“, “Que eu me lembre, sim. Bom, de rosa eu sei que estava, pelo menos.

Ah, bagagens…

(Crônica resgatada e re-editada de minha coluna Vertebral, do Jornal Noite & Cia.)