A vida dela

Achei este artigo em minhas pastas. O arquivo está datado de 8 de junho de 2007. Ele fala sobre a música “Minha Vida” do primeiro disco da minha banda, Água de Melissa, que você pode ouvir aqui. Resolvi postar já que aqui é meu repositório.

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Quando tenho uma harmonia, uma melodia ou um riff martelando na cabeça, mas não tenho uma letra ou uma inspiração para fazê-la, sou capaz, atroz, de musicar uma bula de remédio, um guia telefônico ou o que estiver por perto. Esse foi caso da música “Minha Vida”. Peguei uma Revista da MTV e achei bonitinho um poema de uma leitora — Maria Carolina dos Santos. Apesar de não me identificar com o teor da mensagem (suicídio, em primeira instância), achei simples (não-simplória), inusitada em algumas passagens e bem construída. Tasquei ficha, dando vazão à minha necessidade de compor no momento. Ficou legal o contraste entre o alto-astral da música com o baixo-astral da letra.

Hoje, temos um clipe para ela e a minha filha de 2,5 anos sabe de cor. É estranho, pouco infantil e bastante inadequado para uma criança, mas quando foi composta minha guria não era nem plano. Agora, quando ela canta ou quando mostro o clipe para alguém, me sinto na obrigação de dizer “olha, a letra não fui eu que fiz, só a música.” Não é como tocar um cover intepretando outro artista. Quando a canção é do repertório próprio, mesmo que seja uma coautoria, parece que damos o aval total à obra.

A gente vai ficando velho e se enchendo de preocupações quanto ao que pensam sobre o que deixaremos na vida. Não me envergonho, nem vou deixar de tocar a música, mas a vida é dela, viu? Não a minha. :)

O Acidente da TAM — Coincidências

ft_ac_TAM_3054_48[1]Nunca contei isso.

Em 2007, a aeronave que fazia o voo 3054, da TAM, que ia de Porto Alegre para São Paulo (Congonhas) sofreu um acidente na aterrissagem. O fato impactou o Brasil inteiro e, principalmente, o povo gaúcho, pois grande parte dos passageiros era daqui. No dia seguinte, os jornais traziam em página dupla, as fotos das vítimas. Assim como à maioria das pessoas, as notícias do evento me aterrorizaram e tive a atenção voltada para os jornais e telejornais. Felizmente, não conhecia ninguém a bordo. (“Felizmente” é ruim de dizer, porque não houve felicidade alguma, já que tanta gente estava infeliz naquele momento e perdendo gente tão próxima.)

Eu havia feito uma música com uma letra antiga do Jefferson, baterista da minha banda, Água de Melissa. Porém, ele achara que a composição não combinava com a letra. Inspirado por aquelas 199 fotos 3×4 que estampavam os veículos de comunicação do país e pela ironia do destino de ter sua vida resumida a uma legenda de fotografia em página dupla de jornal, resolvi escrever uns versos e substituir a letra anterior. Os fiz em primeira pessoa, sob a ótica de um passageiro. Decidi que a personagem seria uma mulher. Senti a necessidade de dar um nome a ela. Pensei em um qualquer, aleatório, que coubesse na métrica e rimasse com algum número que seria sua idade. Inventei “Maria Inês”, para rimar com “23”. Juro que não havia visto a lista de passageiros.

Há cerca de três anos, algum parafuso da minha cabeça soltou, ou prendeu, não sei. Lembrei da irresponsabilidade em ter escolhido um nome qualquer e não ter nunca verificado se realmente não havia passageiro homônimo. Fui para a internet e, pasmo, encontrei “Inês Maria Kleinowski”. Pesquisei mais a fundo, incrédulo, para encontrar a idade. Só faltava ser 23. Não era. Tratava-se de uma senhora de 49 anos. Fui atrás de parentes, pois pensei que a coincidência poderia ter algum valor para a família. Mandei e-mails para alguns com sobrenome igual, mais nunca obtive resposta.

A música se chama “Não Sou Eu (200 Fotos)” e pode ser ouvida no site da minha banda Água de Melissa ou aqui.

Fica aí, registrada, a curiosidade, seis anos depois.

Abaixo, a letra da música.

Não Sou Eu (200 Fotos)
(Cuca)

Esta da foto não sou eu
Nem sou o que me descreveu
Quem foi que veio me entrevistar
pra eu contar?

Eu não sou tinta de jornal
Em fonte bold, arial:
“Maria Inês, Porto Alegre, estudante, 23”

Só uma legenda
pra explicar minha vida inteira, vai caber?
Quem são as 200 fotos na página central?

Cadê o meu riso engraçado?
E meus poemas decorados?
O jeito que amarro o meu sapato?
Eu sou assim.

IV Concurso de Composição Leoni

Sabe o Leoni? Ex-Kid Abelha, ex-Heróis da Resistência… “Garotos”, “Alice”, “Lágrimas e Chuva”, “Como Eu Quero” e todas os demais hits do Kid Abelha do começo da carreira. Pois ele está organizando o IV Concurso de Composição Leoni. Funciona assim: ele compôs uma melodia, gravou sobre harmonia e arranjo e disponibilizou para baixar os áudios com a melodia (“na, na, na nááá…”) e com somente a base. Os candidatos devem fazer uma letra que encaixe na melodia, gravar um vídeo (não sei pra que mostrar a cara, mas…), publicar no Youtube e se inscrever no site. Depois de 7 de março, abrirão votações populares que elegerão os finalistas. O que está em jogo é apenas a letra e não o vídeo. O vencedor será escolhido por juízes designados por Leoni e, acredito, óbvio, por ele próprio.

Tomei coragem de colocar a cara a tapa e fiz minha sugestão. Olhe abaixo. Vou precisar da sua ajuda, se gostar dos meus versos, é claro. Mas eu aviso pelas redes sociais quando for momento de votar.

A música de Kleiton & Kledir para Pelotas

Tenho dificuldade de entender letras diretas demais. Prefiro aquelas que não dizem tudo na cara, que deixam margem à imaginação. Aquelas que, mesmo que eu não compreenda totalmente, me dê a liberdade de fechar os olhos e pintar o quadro que quiser. Esse sou eu, músico.

Não entendi a exaltação da plateia quando Kleiton & Kledir tocaram, em primeira mão, a ode a Pelotas, no palco do Guarany, há quase dois anos atrás. As pessoas puseram-se de pé. Aplaudiram entusiasmadas. Ovacionaram. E eu perplexo. Não engoli o “pa-ra-le-le-pí-pe-do”. Me desceu atravessado. Nem o “bem-casado” e o “cristalizado” foram mais palatáveis. Citar todos os locais da cidade com didática de um livro escolar não me convenceu.

Semana passada recebi de várias pessoas o link do YouTube para assistir o clipe da canção. Todos adorando e eu, novamente, engasgado, cético, aturdido pela inocência das pessoas. Confesso: até gostei do “dia de jogo” e do “merece”. Mas não era possível que bastasse fazer uma lista com todos os locais da cidade, organizá-los em versos e rimar Areal com Laranjal para que o sucesso fosse garantido.

Gravei o especial deles no Canal Brasil, que passou há uns 3 meses. Resolvi ver hoje. Apresentaram as músicas do novo trabalho. Depois de um grande período sem álbum novo, estavam de volta.

Na minha memória, o último registro que valia a pena da dupla era o disco que trazia a versão para “Bridge Over Troubled Water” e a música “O Analista de Bagé“, entre outras. Tudo que veio depois, parecia uma tentativa frustrada de ser o que não eram mais. Faltava o frescor, o descompromisso, a ingenuidade e a sinceridade.

Mas lá pela terceira música do especial, algumas frases melódicas, algumas sequências de palavras, algum sorriso, sei lá… Algo fisgou aquele guri dentro de mim, que pelos oito anos ouvia os LPs dos Ramil na casa de minha tia, e que acompanhava as letras dos encartes, verso a verso; que decorara as vírgulas e as respirações de cada faixa; que descobria a música de uma forma tão peculiar, com histórias de um lugar tão perto, mas tão perto, que parecia estar dentro de mim. E pior que estava.

Em frente à casa da minha tia, na Rua Apolinário Porto Alegre, onde passei muitos Natais, onde furei os vinis de tanto ouvir, certa vez estavam Kleiton e Kledir. Esperavam o Papai Noel chegar na casa de algum parente que eu não sei bem quem era. Meus primos todos foram falar com eles, pedir autógrafo. Mas não eu. Fiquei espiando de trás da porta, com minha timidez eterna, minha reverência esquisita.

Lembrei disso agora, não sei por quê. Na verdade, nunca esqueci, mas as novas canções do especial da TV me fizeram reviver. O tempero original estava ali. Era Kleiton & Kledir de volta, como antes. Muito material bom e cheio de inspiração. Quando tocou a homenagem à musa Pelotas novamente, mais explícita ainda, por conta das fotos ilustrando cada esquina, cada bairro, cada monumento citados, meu coração já estava aberto, destrancado, aceitando qualquer rima previsível, qualquer palavra óbvia, qualquer melodia repetitiva. Baixei a guarda e juntei-me àquela plateia de pelotenses ufanistas de dois anos atrás. Só não aplaudi, nem gritei porque minha mulher estava dormindo ao lado e as crianças no outro quarto.

Daqui a pouco, minhas filhas irão começar a ter as experiências musicais que levarão para sempre. Quais delas terão o poder de destrancar a fechadura de seus corações e torná-las alvos fáceis da emoção boba e inexplicável?