Amigo-secreto é sempre um saco. Você tira quem não quer, compra um baita presente que a pessoa não gosta e ganha algo que odeia. A maioria não são matchs, são dismatchs. Então, pensando nesse ódio que destila depois de uma noite ensanguentada por um amigo-secreto, tive uma ideia para inovar o Natal de todas as famílias.
Chama-se chantagem-secreta. O segredo não é o amigo (ou inimigo) mas informação que aquela relação esconde.
Há sorteio prévio, mas serve apenas para definir uma ordem. O primeiro escolhe uma pessoa de quem ele guarda um segredo e anuncia o nome para todos: “Eu sei um segredo sobre o João! Ele será meu chantageado”. E a sequência segue até que todos tenham alguém para chantagear e alguém para o chantageá-lo. A tendência é que os últimos não sejam tão interessantes ou comprometedores, mas os primeiros terão potencial de acabar com casamentos e causar assassinatos misteriosos, na própria noite de Natal.
No dia da revelação, ele começa a falar sobre o que sabe sobre seu dismatch, de forma cifrada, até que o chantageado resolva o calar com o presente. Se o chantageador achar o agrado chinfrim, segue a narrativa até que fique satisfeito com a oferta.
Ele odiava amigo-secreto. E não é porque não gostasse de presentear ou de receber. A questão era outra. Meu pai era uma pessoa com personalidade muito forte. Não havia meias palavras, nem falta de sinceridade. Era tudo na lata. Em qualquer conversa, com conhecidos ou não, não era raro serem alvejados por uma metralhadora de frases a causarem um verdadeiro “sincericídio”.
Por esse motivo, não suportava a ideia de receber em um papelzinho o nome de alguém que não teria vontade de agradar e, a partir daí, comprar algo que não gostaria de dar e entregar com um sorriso amarelo, fingindo bom-grado. Hipocrisia dava calafrios nele.
Sempre quando se começava a planejar o Natal — o que acontece por setembro na minha família —, ele gelava. Em uma mistura de bom-humor com o que pensava de verdade, não perdia a oportunidade de reclamar e sugerir ideias. A mais frequente era a do amigo-secreto-realmente-secreto. Nele não haveria sorteios. O processo, além de mais simples, seria também o mais justo e à prova de “pequenas hipocrisias”. Na cabeça dele, cada um escolheria alguém que gostasse e desejasse presentear (até mais de um, se quisesse). Na noite do encontro, deixaria seu pacote endereçado sob a árvore. Não haveria dinâmica de entrega (outra coisa que era uma verdadeira tortura para ele) e ninguém deveria assinar os embrulhos. Seriam presentes totalmente anônimos, ocultos, secretos de fato.
Cada pessoa pegaria o que encontrasse com seu nome e ficaria na dúvida eterna de quem o teria ganho. Afinal, algo que é secreto não deve ser revelado, ou deixa de ser. Claro que alguns ficariam sem presente, o que, para meu pai, seria justíssimo, e uma lição de como se comportarem no ano seguinte. Não é essa a lógica do Papai Noel? “Você foi um bom menino este ano?”. No fundo, acho que sabia que o ônus de sua ideia ser aprovada talvez fosse o de não ganhar presente de ninguém.
Em seu último Natal, em 2016, ele resolveu arcar com parte dos custos e presentear toda a família (abaixo dele e da mãe) com uma grande viagem para seu lugar preferido. E assim aconteceu. Só que tinha um porém: haveria amigo-secreto na noite do dia 24 de dezembro e ele participaria. Sorteamos um mês antes de partirmos, para já levarmos os presentes. Meu primo, que estava também de viagem por lá, participou.
Depois da ceia, alguém iniciou o processo torturante — para ele — de revelação. Usamos sempre a dinâmica de dar dicas para que os demais tentem adivinhar. Mas meu pai, dessa vez, não parecia se importar muito, esboçando até certa satisfação no semblante. Em um momento, restaram apenas três a revelarem, incluindo ele. Só que minha irmã tirou meu primo e meu primo tirou minha irmã. Sobrou o pai. Todo mundo ficou se olhando sem entender. Até o encararmos e compreendermos tudo.
Meu pai pegara o papelzinho com seu próprio nome, o que deve ter sido um momento de satisfação infinita. Ficara quieto por mais de um mês. Sob os questionamentos de todos, respondeu: “tirei todos vocês e meu presente é a viagem”.
Sempre tive ideias de projetos fora do meu escopo profissional e estava ficando meio doente de não conseguir (talvez nem tentar) colocá-las em prática. Algumas delas estavam passando do prazo de validade — via outras pessoas as lançando e eu perdendo oportunidades. Resolvi, então, partir para a ação. Reencontrei depois de anos o Amadeu, colega de colégio. Por coincidência, além do destino tê-lo levado profissionalmente para a publicidade, também compartilhava dessa mesma minha angústia.
Ao mesmo tempo, um ex-estagiário da Incomum, Wagner, com quem já tinha ensaiado fazer esse projeto antes, me procurou novamente com seu amigo, também conhecido no colégio, Matheus, com a mesma proposta. Achei legal juntar os quatro, cada um com suas habilidades e, enfim, bancarmos algo no risco. Nasceu a Tutano — uma empresa start-up (nome da moda, para negócios tecnológicos pretensamente promissores a espera de investidores milionários – kkk).
Devido à proximidade do Natal, o primeiro projeto lançado foi o Acertou em Cheio. Um aplicativo para Facebook que permite criar listas de presentes totalmente personalizadas e independentes dos sites de e-commerces. Ou seja, liberdade total para inserir o que quiser, de dentro ou fora do mundo online. O sistema aceita qualquer coisa: de produtos a sentimentos. Experimente pedir um abraço. Pode ser que você ganhe mais rápido do que imagina. A ideia é distinta de tudo que existe justamente por isso. E não precisa de data especial. A sua lista fica ali, eterna, até você ganhar o item e excluí-lo. Quando um amigo for lhe presentear, certamente vai “acertar em cheio”, ou, na pior das hipóteses, se inspirar no que você publicou e lhe dar algo relacionado. 15 dias antes dos aniversários de seus amigos que estão no aplicativo, você é avisado que eles têm lista. E vice-versa — seus amigos também recebem alertas sobre o seu aniversário e irão fuçar nos seus desejos, certamente. O que eu acho mais legal na ideia, não é nem o ato de presentear em si, mas de confeccionar e manter uma lista de coisas que você gosta e deseja ter. Ali ficam registradas sua personalidade, seus requintes, suas ideias, seus sentimentos, suas sinceridades e, até, criancices.
Acertou em Cheio é o primeiro dos nossos projetos e, claro, em constantes melhorias. A partir de janeiro, já inciaremos o segundo. A quantidade de ideias é grande, pois agora não são só as minhas, mas as dos quatro.
Para conhecer o aplicativo, acesse a nossa fan page ou nosso site. Adoraria saber o que acharam.
Em alguns lugares do País, chamam de amigo-oculto. Atualmente, a maior instituição do Natal, o amigo-secreto, é uma grande prova do consumismo, materialismo e impessoalidade. Contraditório, no mínimo. Tudo começou quando o hábito carinhoso de presentear os amigos e familiares de quem se gosta foi ficando cada vez mais caro e distante da realidade do brasileiro. Mesmo que um ou outro ainda tenha respaldo financeiro que o permita demonstrar, para o seus, todo o afeto que nutri através de uma lembrança de final de ano, o ato pode gerar constrangimento. Quem recebe pode não dispor da mesma condição. Foi, então, que alguém teve a brilhante ideia de criar um sistema em que cada participante é obrigado a comprar algo para alguém que não deseja presentear (que não gosta ou não tem intimidade para tal). Para dificultar e tornar o processo ainda menos sincero e destituído de qualquer sentimento, resolveram estipular valor para o regalo de cada um: “o presente tem que custar entre X e Y”. Convenhamos que, se já é difícil ter alguma ideia boa que agrade a quem não somos íntimos ou até mesmo àqueles com quem não vamos com a cara, imagine ter que enquadrar o achado em uma faixa de preço perversa e doentia.
Em uma empresa de nossa cidade, este ano, decidiram, novamente, fazer amigo-secreto, mas só que um pouco diferente. Para deixar o mercantilismo distante, resolveram que todos os presentes deveriam ser feitos de forma manual ao invés de, simplesmente, comprados. Assim, não houve limites mínimo nem máximo de preço. O que contava era a criatividade e a intenção. Algum mais bruto entrou em pânico — “não tenho habilidade manual alguma!” — certamente imaginando uma toalha de crochê ou um pano de prato bordado que teria que fazer. Mas a intenção era bem mais sutil que isso. Poderia ser uma música, um poema, até mesmo um pudim. De fato, na noite da entrega, todos foram surpreendidos pela imaginação de seu amigo-secreto. Um fez uma caixa com 3 CDs com canções compiladas; outro uma camiseta personalizada, feita com técnica mista (stencil, patchwork e termo-transferência); um mais inspirado, fez brigadeiros de maconha (estilo Weeds), vindos em uma grande caixa, dispostos em potes individuais com rótulos explicativos e um CD de músicas apropriadas para curtir a degustação. Questões morais e legais à parte, é inegável a mão de obra e imaginação do autor. Dizem que a erva fritando com a manteiga tomou conta dos corredores do edifício e os vizinhos quase chamaram a polícia.
Meu pai já sugeriu uma vez que o verdadeiro amigo-secreto não deveria ser feito através de sorteio e nem mesmo revelado quem comprou o presente. Cada um escolheria um companheiro para presentear. Todos os pacotes seriam colocados em uma pilha com o nome dos destinatários. Depois, os pacotes distribuídos. Sem dúvida, alguns não ganhariam nada e outros levariam mais de um, de acordo com a simpatia e amabilidade que cultivaram durante o ano. Nada mais justo, não é mesmo? O certo é que os contemplados iriam embora pra casa imaginando quem teria feito tal agrado. Quem gostaria tanto deles a ponto de escolhê-los entre tantos. Nunca se descobriria.