Toda novidade que promete mudar o mundo passa por algumas etapas para se estabelecer ou ser descartada. Everett Rogers, em seu livro da década de 60 — “Diffusion of Innovations” — versou sobre essas etapas de difusão das inovações sobre o ponto de vista da assimilação: conhecimento, persuasão, decisão, implementação e confirmação. Ele também se referiu aos perfis daqueles que, ao longo do tempo, adotam uma nova tecnologia, dos inovadores aos retardatários, também em cinco personas. A questão que trago vem complementar, só que sob o viés da percepção humana, especificamente, sobre as inteligências artificiais generativas e do estreitamento de nosso contato com elas.
É normal que a primeira etapa dessa relação seja sempre a do deslumbramento. Quando a novidade vem à tona para os early adopters (como denominou Rogers), chega embarcada em curiosidade, perspectiva profissional, aumento de produtividade e de encantamento com as entregas. A excitação é tão grande que o primeiro sintoma é o surgimento dos gurus: pessoas prometendo ensinar até mesmo como fazer dinheiro, antes mesmos de terem ganho o seu próprio com a tecnologia. Estamos na era do conteúdo e dos coachs. Afinal, o mercado está sedento para saber como a ferramenta irá impactar seus negócios e como conseguirá ser mais produtivo com ela: “se não usar, a concorrência usará”. Não parece ser o caso das inteligências artificiais generativas, mas promessas que geram esse tipo de frisson, muitas vezes dão com os burros n’água ou penalizam os vanguardistas. Chat-GPTs e MidJourneys da vida estão sendo testados à exaustão. Tem gente perguntando pra plataforma da OpenAI até como se frita um bife, enquanto não descobrem qual será, para si, sua real utilidade. (A imagem deste post foi feita no MidJourney com o prompt “como fritar um bife”).
Já na segunda etapa, por mais que a tecnologia evolua, as pessoas começarão a perceber que, apesar de incrível, no que tange a geração de entregas criativas de verdade, as soluções ainda deixam a desejar. Em pouco tempo, a massificação e a pasteurização dos resultados produzidos por IA darão saudade em quem tem um olhar mais crítico sobre as coisas, que espera conteúdos mais verdadeiros, com sutilezas humanas. Trarão uma constante sensação de desumanização, perda de vínculos afetivos com o mundo real e, até mesmo, descrença no futuro. Sabe textos de sites feitos para performar em SEO? Aqueles cheios de repetições, explicaçõezinhas chumbregas e conteúdo raso, construídos para serem bem ranqueados no Google e em outras plataformas? Imagine esse tipo de intenção massificada à exaustão em todas as linguagens: texto escrito, imagem, vídeo, áudio… A máquina produzindo conteúdos para serem interpretados por algoritmos de outras máquinas e entregues para se encaixarem nas percepções e bolhas dos seres humanos. E tudo bem? Para 99% das pessoas estará tudo bem. Isso, infelizmente, também será o suficiente para muitos anunciantes, que remuneram a financiam a comunicação digital atual.
E, então, chegaremos na terceira etapa. Virá uma contratendência, como sempre acontece após um establishment. Foi assim quando o movimento hippie se opôs à Guerra do Vietnã e ao crescimento do consumismo. Foi assim com a abstração trazida pela arte moderna, que se contrapôs ao excesso de técnicas das artes plásticas vigentes, e depois foi contraposta pelo realismo e sua representação mais literal da realidade.
A inteligência artificial generativa criará uma contratendência que promoverá o anseio e a valorização dos conteúdos ultraverdadeiros, como textos de sinceridade latente, imagens aparentemente mal produzidas e amadoras, erros singelos dos mais diversos tipos e exposição maior de nossas fragilidades.
Promoveremos a busca pela quebra do algoritmo da máquina e a elevação do algoritmo humano. Vamos querer nos ver espelhados em nossas imperfeições.
“Abaixo a Skynet!” “Sarah Connors lives!”
Seremos resistência.