Uma Imagem que Não Vale Palavras

Aquilo que se fala, de que uma imagem vale por mil palavras, já deu desde muito pano-pra-maga até teses de mestrado — olhar uma imagem e receber uma quantidade enorme de informações em um mínimo espaço de tempo. Basta um piscar de olhos.

Para o lançamento do livro Terra, de Sebastião Salgado, foi realizada uma exposição itinerante pelo Brasil. Pelo menos, foi isso que defuzi na época (cerca de 1997) ao passar em frente ao extinto banco Bamerindus — aquele cuja poupança continuava numa boa.

Esquina da XV com Floriano, em Pelotas, eu com 22 anos. Creio que estava fazendo serviços de banco, quando avistei as grandes reproduções das imagens em preto e branco do livro. Estavam fixadas naqueles painéis metálicos de tela. Em passos largos, como de costume, avistei a menina na foto. Meu olhar congelou no dela, meu pescoço torcia para acompanhar. Ela não parava de me olhar. Baixei os óculos escuros na tentativa de provar a mim mesmo que não estava vendo direito. Mas estava. Aquela garota era linda, tinha olhos tão profundos que nem mesmo o laboratorista oficial de Salgado seria capaz de produzir. Beleza natural contrastada com bochechas sujas de terra, cabelo endurecido pelo pó e um não-sei-o-quê de dramaticidade. Um pouco mais de um piscar de olhos e dezenas de significados, contrastes e palavras escritas no filme do fotógrafo. Uma menina que, em qualquer outra situação social, seria um estereótipo de beleza cheio de oportunidades que nosso mundo materialista e preconceituoso é capaz de prover. Foram apenas cerca de 5 segundos e eu estava impactado pelo resto da vida.

Não parei. Fui pego desprevenido, derramando lágrimas no meio da rua. Segui a caminhada, subi os óculos, envergonhado, para esconder que meninos também choram. E choram mesmo, assim, sem querer, de uma hora pra outra, no meio da rua, em frente a um banco, caminhando rápido com documentos nas mãos.

==========

O que motivou este post foi esta notícia.

A menina chama-se Joceli. Hoje, tem 21 anos e, pasmém, não possui o livro de Sebastião Salgado, do qual era capa. Dar um exemplar do livro para o seu pai é um dos seus sonhos.

2 comentários em “Uma Imagem que Não Vale Palavras”

  1. Que lindo o texto e a lembrança, Cuca :)

    Mas poxa, fiquei indignada com uma coisa: como é que o Sebastião Salgado não deu sequer uma cópia do livro pra família dela? Fez fama e fortuna por causa de histórias dramáticas assim e se descolou totalmente dessa realidade. Fiquei impressionada :(

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.