Eu achava o máximo o seriado Armação Ilimitada — programa que passava na Globo nos anos 80, dirigido por Guel Arraes. Juba, Lula, Bacana, Zelda Scotch… A linguagem dinâmica, cortes rápidos, supria a ânsia adolescente por rebeldia. Se o jovem de hoje assistir, ficará entediado com o ritmo lento para os dias atuais. Na época, meus pais achavam uma insanidade a câmera e os cortes “rápidos”.
Pois bem, eu fiquei velho, virei pai e, neste último ano, tem me feito mal a velocidade das narrativas contemporâneas. Sejam filmes, seriados, vídeos no Youtube, entrevistas. Tudo é curto, podado, sem desenvolvimento. E não é só linguagem de edição. É profundidade mesmo. Ninguém quer mais respirar, refletir, aprofundar, ouvir os silêncios.
No cinema
Compare o filme Superman de 1978 com um Avengers da vida. No primeiro, temos meia dúzia de personagens desenvolvidos em uma história de 2h20min. Dá pra nos aprofundarmos em suas personalidades, aflições, angústias, propósitos, peculiaridades. Os melhores Superman (e Clark Kent), Louis Lane, Lex Luthor de todos os tempos. Não tem pra ninguém. Um baita filme até hoje. Agora pense no último Avengers: 50 personagens disputando cada frame dos 180 minutos, em uma edição frenética que te deixa tonto, com um roteiro construído em uma planilha de Excel, para conseguirem engatar um filme com o outro e licenciar tudo que for possível para o mercado. Eu gosto da Marvel e acho que fizeram um trabalho excelente, sem precedentes. Mas fico cada dia mais desestimulado a consumir propostas assim.
Acredito que as séries estão se tornando populares por isso. A gente quer entrar dentro de cada personagem e sentir o que eles sentem. Queremos nos identificar com dilemas, dores e entusiasmos.
Talk Shows
Agora vamos aos talk shows. Tanto os americanos, como os nacionais, todos são supereditados, os assuntos são cortados para caberem no formato comercial da TV. Tem programa com entrevistas de 10 minutos. Como assim?!
Mas, quem diria, que a Internet e sua propensão ao descartável, ao consumo rápido, veio para suprir essa deficiência dos bate-papos? Nos foram trazidos os podcasts que, no começo, também eram curtos (não havia nem banda suficiente nem dispositivos confortáveis para se consumir algo mais longo). Agora, o formato estendeu e é difícil encontrá-lo em episódios de menos de 60 minutos. A grande sensação do momento são os podcasts que também vão pro Youtube, em vídeo, e chegam a ter quatro horas de duração. Sim! Parece inadmissível você parar por quatro horas (o bom é que não precisam ser ininterruptas) para consumir um conteúdo de bate-papo. Alguns canais “piratas” ainda criam os cortes, que são fragmentos mais curtos com um título clickbait, e que acabam auxiliando a divulgar os canais originais. Eles gostam e agradecem.
Flow — O Fenômeno Improvável
O maior expoente do momento é o Flow. Igor e Monark são dois não-jornalistas, despretensiosos, com pouco ou nenhum conhecimento sobre os entrevistados (e até sobre a maioria dos assuntos que apresentam), que sacaram que havia gente, como eu, ávida por uma conversa informal, com tempos de respiro, sem pesquisas prévia, com bolas-fora, com vergonhas-alheias, com erros e acertos, entre pessoas que, às vezes, nunca ouviram nem falar umas nas outras. A curiosidade dos dois sobre o convidado dá o tom e a espontaneidade suficientes para tornar o assunto bacana, como se fosse você conversando. E dentro dessa premissa, os caras estão construindo uma grande indústria de conteúdo, com diversos programas (muitos entram ao vivo) em um complexo de estúdios em São Paulo, capitalizando views no Youtube.
Na cola, além dos próprios programas do conglomerado Flow, tem o Inteligência Limitada, do Rogério Vilela, e o Mais Que 8 Minutos, do Rafinha Bastos, entre outros. Eles parecem que estão formando um circuito que os assessorem de imprensa e RPs descobriram ser um caminho oportuno para divulgar seus clientes. Frequentemente acontece de um convidado, na mesma semana, frequentar esses três que citei. Mandetta, Ciro Gomes, Gabriela Prioli, Eduardo Bueno, Luciano Hang, Guilherme Boulos, Luciana Gimenez, Fernando Haddad, Eduardo Bolsonaro, Kim Kataguiri, Rogério Skylab, Danilo Gentili… São alguns dos nomes que já foram nos 450 episódios do Flow. Às vezes, os caras chegam a fazer dois por dia.
Estou cansado de conteúdos que não se aprofundam, que não dão tempo de respiro, que não te fazem conhecer de fato o convidado (ou os personagens), que te cospem na cara algo que não te satisfaz. Já bastam os áudios em 1,5 ou 2x do WhatsApp aos somos obrigados a dar play na correria do dia a dia.
Quando chegar em casa, quero paz, espaço para pensar e uma boa conversa para assistir, quando faltarem os amigos.