Ele odiava amigo-secreto. E não é porque não gostasse de presentear ou de receber. A questão era outra. Meu pai era uma pessoa com personalidade muito forte. Não havia meias palavras, nem falta de sinceridade. Era tudo na lata. Em qualquer conversa, com conhecidos ou não, não era raro serem alvejados por uma metralhadora de frases a causarem um verdadeiro “sincericídio”.
Por esse motivo, não suportava a ideia de receber em um papelzinho o nome de alguém que não teria vontade de agradar e, a partir daí, comprar algo que não gostaria de dar e entregar com um sorriso amarelo, fingindo bom-grado. Hipocrisia dava calafrios nele.
Sempre quando se começava a planejar o Natal — o que acontece por setembro na minha família —, ele gelava. Em uma mistura de bom-humor com o que pensava de verdade, não perdia a oportunidade de reclamar e sugerir ideias. A mais frequente era a do amigo-secreto-realmente-secreto. Nele não haveria sorteios. O processo, além de mais simples, seria também o mais justo e à prova de “pequenas hipocrisias”. Na cabeça dele, cada um escolheria alguém que gostasse e desejasse presentear (até mais de um, se quisesse). Na noite do encontro, deixaria seu pacote endereçado sob a árvore. Não haveria dinâmica de entrega (outra coisa que era uma verdadeira tortura para ele) e ninguém deveria assinar os embrulhos. Seriam presentes totalmente anônimos, ocultos, secretos de fato.
Cada pessoa pegaria o que encontrasse com seu nome e ficaria na dúvida eterna de quem o teria ganho. Afinal, algo que é secreto não deve ser revelado, ou deixa de ser. Claro que alguns ficariam sem presente, o que, para meu pai, seria justíssimo, e uma lição de como se comportarem no ano seguinte. Não é essa a lógica do Papai Noel? “Você foi um bom menino este ano?”. No fundo, acho que sabia que o ônus de sua ideia ser aprovada talvez fosse o de não ganhar presente de ninguém.
Em seu último Natal, em 2016, ele resolveu arcar com parte dos custos e presentear toda a família (abaixo dele e da mãe) com uma grande viagem para seu lugar preferido. E assim aconteceu. Só que tinha um porém: haveria amigo-secreto na noite do dia 24 de dezembro e ele participaria. Sorteamos um mês antes de partirmos, para já levarmos os presentes. Meu primo, que estava também de viagem por lá, participou.
Depois da ceia, alguém iniciou o processo torturante — para ele — de revelação. Usamos sempre a dinâmica de dar dicas para que os demais tentem adivinhar. Mas meu pai, dessa vez, não parecia se importar muito, esboçando até certa satisfação no semblante. Em um momento, restaram apenas três a revelarem, incluindo ele. Só que minha irmã tirou meu primo e meu primo tirou minha irmã. Sobrou o pai. Todo mundo ficou se olhando sem entender. Até o encararmos e compreendermos tudo.
Meu pai pegara o papelzinho com seu próprio nome, o que deve ter sido um momento de satisfação infinita. Ficara quieto por mais de um mês. Sob os questionamentos de todos, respondeu: “tirei todos vocês e meu presente é a viagem”.
Ganhou um abraço coletivo como agradecimento.