Nota do editor (posterior à premiação — leia no final, se preferir):
O vencedor foi “Parasita”. Pensando aqui o motivo da minha avaliação ter sido equivocada — aprendendo com os erros.
(1) A Academia está mudando. Muita gente nova,de vários países, foi convidada a ingressar. Isso aumentou a diversidade. É bom. Não tinha conhecimento disso até a transmissão da cerimônia.
(2) Existe um critério que não entendi bem como é, mas é algo como: se um filme figura em muitas categorias como segundo lugar isso pontua também e conta pra categoria de melhor filme, que é, resumidamente, uma coletânea de qualidades encontradas nas demais categorias.
(3) Mas o mais preponderante é que posso ter subestimado o fato da história de 1917 ser simples demais. Não estou falando de roteiro. Roteiro é uma coisa, argumento de história é outra. O roteiro de 1917 é demais, mas a história pode não ter sido suficiente para elevar ele no julgamento dos profissionais votantes e ganhar melhor filme. É como uma música: a boa mesmo é a que você consegue assobiar. Como você contaria a história de 1917? “O cara tinha que entregar um bilhete pra salvar 1600 vidas e se mete em muitas confusões pelo caminho.” Não acontece muita coisa além disso que seja contável. É difícil “assobiar” 1917.
Meu filme preferido é “Era Uma Vez em… Hollywood”. Fiquei chateado que ganhou pouca coisa. Tarantino merece um reconhecimento maior. Mas é aquilo: muito filme bom! Isso é o mais importante.
Não recordo de um Oscar ter tantos filmes bons como o deste ano. Eu não assisti “História de Um Casamento” e “Adoráveis Mulheres”, apenas. Estamos em uma boa safra. Existem vários filmes capazes de levar o prêmio. Mas aqui vou dizer por que acho que “1917”, de Sam Mendes, vence a parada. A maioria dos motivos tratam de inovação sobre um tema bastante usado — a guerra.
- Você lembra de algum título sobre a primeira grande guerra?
- Quantos filmes de guerra você lembra que se concentram em apenas um personagem? Geralmente, mostram batalhões ou missões de soldados, muitos combates… Aqui é a vida de uma pessoa, sua missão e obstinação em completá-la. Sabe quando recebemos a notícia de um acidente de avião ou massacre real em que há muitas mortes? A gente se estremece, claro. Mas o impacto é muito maior quando a tragédia é personalizada em uma pessoa ou uma família, e quando nos contam a história dela a ponto de nos envolvermos mais. Este filme não se detém do personagem, mas o próprio desenrolar se encarrega de nos apresentar aquele soldado.
- Quantas histórias são tão simples quanto “leve esta mensagem para impedir uma emboscada”? E não só, mas o roteiro não se afasta disso, nunca. Toda vez que surge um assunto periférico eles puxam de volta ao mote principal.
- A imersão causada pela condução em plano sequência e, principalmente, quase como uma câmera subjetiva, que acompanha o personagem, é extremamente envolvente. Ela nos coloca dentro da película, no mesmo ambiente, com os mesmos sentimentos de Schofield. Parece um game de guerra, em primeira pessoa, e isso cativa até os expectadores mais novos, coisa rara em um filme passado há 100 anos.
- É tecnicamente impecável, seja na fotografia, da direção de atores, na produção, no som, nos efeitos mecânicos e eletrônicos, na edição (que apesar de pouca, é essencial no filme)…
- “Era Uma Vez em… Hollywood” é excelente! Incrível! O melhor de Tarantino pra mim. Mas não é um filme unânime. Tem as estranhezas do diretor, o que não é o padrão da Academia.
- “Coringa” é sensacional. Mas a tradição dos filmes de super-herói (ou de vilão) não é de ser reconhecido a esse ponto pelo Oscar. Ele vai ficar com melhor ator e algum outro prêmio, certo. Se fosse ganhar seria mais para reconhecer o que os filmes de super-heróis têm feito pelo cinema na última década. Mas nesse caso, seria concedido à Marvel e não à DC.
- “Parasita” é muito bom. Rompe com o cinema tradicional. Nos traz uma linguagem diferente, surpreende… Mas… Está também concorrendo como Melhor Filme Estrangeiro. Deve levar por lá.
- “Ford vs Ferrari” é bem bom. Mas não tem “corrida” pra tanto.
- “Jojo Rabbit” é bem legal. Se tivesse que enquadrar ele em algum padrão, estaria próximo de “A Vida É Bela”. Mas concorrendo com outro filme de guerra, cheio de qualidades como mencionei, a Academia não repetiria o estilo de prêmio concedido a Benigni.
- “O Irlandês” é Netfilx. Ainda não está na hora de valorizar um filme de uma plataforma que, como Spielberg disse, “não é cinema”. Na real, eu achei chato pra caralho.
- Não é um filme politico, apesar de tratar de uma guerra. Parasita, Jojo, Coringa são; têm aquele viés questionador ideológico. Não que isso seja ruim, mas estamos em uma momento histórico mundial bastante polarizado e “1917” surge para que a gente respire, como um alívio, e deixe as armas ideológicas de lado para entrar na história pura e simples de uma pessoa, aliás, da missão de uma pessoa (mais simples ainda). A gente tá precisando de um pouco de paz e a ironia é um filme de guerra ser a resposta pra isso.
É isso! Vai minha torcida para “1917”!