Telegram x WhatsApp

6 pontos para mudar de mensageiro. Ou não.

A idade vai chegando e os mensageiros instantâneos são uma bengala para minha memória. Eu posso confiar que uma orientação que eu dei, um pedido que me fizeram, os termos de um negócio, os combinados de um projeto estarão registrados ali, acessíveis e de uma forma, senão inteligente, pelo menos simples de consultar. Não me vejo sem eles.

Quando falo “eles” é porque qualquer que fosse o de meu uso, nesse aspecto me salvaria do mesmo jeito: iMessage, Facebook Messenger, Telegram, mas uso o WhatsApp. Só pra lembrar, sou da época do ICQ e do Microsoft Messenger.

Mas nos últimos anos, é evidente que o Telegram vem conquistando muitos adeptos com suas funcionalidades, ameaçando alcançar a supremacia do WhatsApp e me fazendo ponderar sobre uma troca. Vou fazer uma comparação e expor aqui alguns motivos que pesam na minha balança entre WhatsApp e Telegram.

OS 4 MOTIVOS PARA USAR O TELEGRAM

  • Agendamento de envio de mensagem

Isso é MUITO foda! Mais útil ainda para quem usa a trabalho. Quantas vezes, em horário inapropriado, você teve uma ideia, lembrou de um assunto não urgente, mas não quis incomodar a pessoa? Às vezes, você perdeu o sono de madrugada, ficou pensando na vida e pimba! Lá veio a vontade de escrever pra alguém. Só que você não sabia se a pessoa usa o modo noturno no celular dela; não sabia se um alerta iria soar ao lado da cama e interromper o sono do seu amigo. Providencial nesses casos seria agendar seu texto para às 8h30 do próximo dia, né? Pois o WhatsApp não faz isso, mas o Telegram faz.

  • Enquetes em grupos

Peru assado ou lombinho de porco? Arroz com passas ou arroz sem passas? Imagina decidir o cardápio do Natal no grupo do familião com uma enquete formal, sem brigas, devaneios e criancices de paladar.

Segunda às 17h, terça às16h ou qualquer uma? Que mão na roda seria decidir a data de uma reunião no grupo da empresa com 30 pessoas, baseado no maior quórum possível, sem ter que consultar um a um individualmente e com resultados tabulados. O Telegram faz.

  • Grupos profissionais

E que tal fazer um grupo para divulgação de produtos e promoções (com adesão voluntária) em que só os administradores possam postar? Ok, o WhatsApp faz, mas com limite pequeno de usuários e não com participações anônimas. Afinal, você não quer divulgar os dados de todos para todos. Imagina, então, um concorrente ingressando e roubando seu cadastro. O Telegam faz isso.

  • Armazenamento do celular

Quantos gigabytes ocupa o WhatsApp em seu telefone? Você toda hora tem que ficar apagando vídeos, fotos? Tem gente que deleta até texto de conversas — relaxa, eles não ocupam tanto. No Telegram fica tudo na nuvem, só o app e as mensagens recentes ocupam espaço no seu dispositivo.

OS 2 MOTIVOS PARA CONTINUAR NO WHATSAPP

  • Mais tranquilidade mental

Você já está se perguntando “por que é preciso escolher?”; “por que não ficar com os dois?” Porque eu quero ter certeza onde falei com quem, onde procurar aquele combinado que fugiu da minha mente. Não esqueça, o WhatsApp é minha muleta de memória! Também não quero ficar perdendo tempo, vagando por mais um app no celular. Meus mensageiros não emitem alertas. É um hábito que adotei em prol da minha sanidade. Eu consulto iMessage e Facebook Messenger, sei lá, uma vez por semana. Como a maioria das pessoas está no WhatsApp, eu precisaria dele do mesmo jeito. Por uma questão de foco, prefiro ter só um como principal.

  • Mais segurança

Para terem acesso a suas conversas, no WhatsApp seria preciso roubarem seu celular, hackearem sua senha de entrada no aparelho e saberem seu código PIN do WhatsApp (que é solicitado apenas de tempos em tempos — não tão seguro assim). Pra fazerem isso no Telegram bastaria descobrirem seu código de verificação em duas etapas. Já pra clonarem seu número é meio parecido nos dois.

Deu pra perceber por que, pra mim, foco e minha tranquilidade mental ganham mais pontos que todo o resto? Enquanto isso, eu vou torcendo, pelo menos, para que o WhatsApp implemente o agendamento de mensagens. É o que sinto mais falta!

Abra sua câmera na aula

Pensem no professor que abre a sala de aula on-line e vê os alunos entrando: imagens pretas com um círculo no meio e as inicias vão pipocando.

— Quem seria mesmo o AP, o CK, o MN, o JE?

Fazem a chamada e, depois, tirando o CDF que interage (quando há um), ministram a disciplina para o vazio. Não sabem se os alunos apenas deram entrada e desapareceram, não têm feedbacks sobre a compreensão da turma, não recebem um sorriso de canto de boca perante uma brincadeira, nem uma expressão de não compreensão a qual ele poderia ajudar a resolver. É uma aula solitária dada em frente a um abismo de incertezas. É quase como se gravasse um vídeo e reprisasse para todas as turmas. Acho que ninguém espera isso da educação.

Esta semana fui convidado para um bate-papo na disciplina de redação publicitária da Comunicação Social da UCPel. Só eu e a professora em vídeo. Todos os demais eram telas pretas. Pelo menos, alguns escreviam no chat. Outros nem deveriam estar escutando. Suponho que entraram apenas para ganhar presença.

Perguntei para as minhas filhas por que faziam isso. As respostas foram:

— Ah, a gente está feia, de pijama, tomando café.

— Não quero aparecer assim pra toda turma.

Mas aqui em casa mudou. Hoje a Malu abriu a câmera na aula de literatura. Em seguida uma colega também abriu e, logo, todos estavam de câmera ligada e o professor emocionado.

A partir de amanhã, acordarão meia hora antes para tomar seu café, se arrumar e assistirem as aulas sentadas à mesa. É o mínimo de respeito que um professor merece receber.

#AbraCameraNaAula

Séries são melhores que filmes?

Calma! A pergunta não é tão idiota assim.

Costumo acessar o site IMDB (Internet Movie DataBase) não só para ter informações técnicas sobre títulos como para consultar a nota conferida a eles pelos usuários. Claro que não irei deixar de assistir algo que eu queira ver (não importa a avaliação que tenha). Mas como meu tempo de dedicação ao cinema é limitado, uso o critério “acima de 8” para me aprofundar sobre e, talvez, assistir, coisas que não chegaram a mim por outros meios.

“No tocante a essa qüestão daí”, tenho percebido que séries tendem a ser melhor avaliadas do que filmes; têm média maior. Isso me encuca.

SERIA PORQUE ELAS SÃO MESMO MELHORES?

Supostamente, o investimento de produção em uma série precisa ser mais certeiro, por isso não se investe em ideias meia-boca? Creio que não. Séries medianas têm nota maior ou igual a grandes filmes. Exemplo: “Lúcifer” (que é bacaninha) tem média 8,2, a mesma que “Laranja Mecânica”, “Táxi Driver”, “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, “Up!”, “Cantando na Chuva”, “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e por aí vai. Filmes que estão próximos da 100ª posição no ranking dos melhores de todos os tempos, segundo os usuários do site!

SERIA PORQUE OS FILMES SÃO MAIS VISTOS E VOTADOS, PORTANTO A TENDÊNCIA É A MÉDIA CAIR?

Não creio. A média da nota da série “Lúcifer” (de 2006) foi composta por 202 mil votos, a mesma quantidade do clássico “Cantando na Chuva” (de 1952). Creio que acima de 1000 opiniões, a média já está bem consolidada.

SERIA PORQUE AS PESSOAS SE AFEIÇOAM MAIS A SÉRIES?

Todo mundo gosta de dizer que está vendo uma série boa. Ter ela pra si. Ser “dono” dela. Se sentir o descobridor de uma nova produção para contar aos amigos. Dedica-se a ela muito tempo assistindo. Uma temporada normal pode variar de 10 a 20 horas de duração. Daria pra ver de 6 a 13 filmes, aproximadamente. Depois de toda essa maratona, seja parcelada ou não, dizer que você não gostou seria um tanto quanto esquisito.

TALVEZ SEJA ISSO!

As pessoas se sentem mais recompensadas ao verem séries. Criam vínculos maiores com os personagens, ainda mais nessa época em que a linguagem geral do cinema é tão veloz. Têm melhores momentos assistindo. Passam melhor o seu tempo. E, depois de acabar, dá uma sensação de incompletude, de querer mais, de sentir falta da rotina criada.

Sei lá. O que vocês acham?

O último amigo-secreto do meu pai

Ele odiava amigo-secreto. E não é porque não gostasse de presentear ou de receber. A questão era outra. Meu pai era uma pessoa com personalidade muito forte. Não havia meias palavras, nem falta de sinceridade. Era tudo na lata. Em qualquer conversa, com conhecidos ou não, não era raro serem alvejados por uma metralhadora de frases a causarem um verdadeiro “sincericídio”.

Por esse motivo, não suportava a ideia de receber em um papelzinho o nome de alguém que não teria vontade de agradar e, a partir daí, comprar algo que não gostaria de dar e entregar com um sorriso amarelo, fingindo bom-grado. Hipocrisia dava calafrios nele.

Sempre quando se começava a planejar o Natal — o que acontece por setembro na minha família —, ele gelava. Em uma mistura de bom-humor com o que pensava de verdade, não perdia a oportunidade de reclamar e sugerir ideias. A mais frequente era a do amigo-secreto-realmente-secreto. Nele não haveria sorteios. O processo, além de mais simples, seria também o mais justo e à prova de “pequenas hipocrisias”. Na cabeça dele, cada um escolheria alguém que gostasse e desejasse presentear (até mais de um, se quisesse). Na noite do encontro, deixaria seu pacote endereçado sob a árvore. Não haveria dinâmica de entrega (outra coisa que era uma verdadeira tortura para ele) e ninguém deveria assinar os embrulhos. Seriam presentes totalmente anônimos, ocultos, secretos de fato.

Cada pessoa pegaria o que encontrasse com seu nome e ficaria na dúvida eterna de quem o teria ganho. Afinal, algo que é secreto não deve ser revelado, ou deixa de ser. Claro que alguns ficariam sem presente, o que, para meu pai, seria justíssimo, e uma lição de como se comportarem no ano seguinte. Não é essa a lógica do Papai Noel? “Você foi um bom menino este ano?”. No fundo, acho que sabia que o ônus de sua ideia ser aprovada talvez fosse o de não ganhar presente de ninguém.

Em seu último Natal, em 2016, ele resolveu arcar com parte dos custos e presentear toda a família (abaixo dele e da mãe) com uma grande viagem para seu lugar preferido. E assim aconteceu. Só que tinha um porém: haveria amigo-secreto na noite do dia 24 de dezembro e ele participaria. Sorteamos um mês antes de partirmos, para já levarmos os presentes. Meu primo, que estava também de viagem por lá, participou.

Depois da ceia, alguém iniciou o processo torturante — para ele — de revelação. Usamos sempre a dinâmica de dar dicas para que os demais tentem adivinhar. Mas meu pai, dessa vez, não parecia se importar muito, esboçando até certa satisfação no semblante. Em um momento, restaram apenas três a revelarem, incluindo ele. Só que minha irmã tirou meu primo e meu primo tirou minha irmã. Sobrou o pai. Todo mundo ficou se olhando sem entender. Até o encararmos e compreendermos tudo.

Meu pai pegara o papelzinho com seu próprio nome, o que deve ter sido um momento de satisfação infinita. Ficara quieto por mais de um mês. Sob os questionamentos de todos, respondeu: “tirei todos vocês e meu presente é a viagem”.

Ganhou um abraço coletivo como agradecimento.

Você está medindo corretamente a velocidade da internet?

Para o pessoal que gosta de medir a velocidade da internet e reclamar do provedor nas redes sociais: você pode estar passando vergonha publicamente à toa! Existem alguns detalhes técnicos que talvez você não saiba sobre o assunto. E como ninguém é obrigado a conhecer, aqui vão umas dicas.

WI-FI NÃO SERVE PARA MEDIR A VELOCIDADE DE INTERNET.

Wi-fi depende de muitos fatores para funcionar 100%: da qualidade do roteador sem fio; da recepção do dispositivo pelo qual está medindo (celular, por exemplo); das interferências que o sinal pode estar sofrendo por outros equipamentos; da distância entre você e o roteador; da espessura e quantidade de paredes e lajes do ponto A ao B; da quantidade de dispositivos usando a mesma rede ao mesmo tempo (pra ter uma ideia, aqui em casa tem 12 conectados agora).

COMO MEDIR A VELOCIDADE DA INTERNET

Você precisa ter certeza que nenhum dispositivo extra está conectado, além do que medirá; usar um computador conectado com cabo de rede ao roteador; ter certeza que ele não está utilizando a internet para nenhum outro recurso. Pra ter uma ideia, a última medição que fiz assim me deu 120Mbps e meu plano é de 100Mbps.

AINDA, SOBRE A BANDA QUE VOCÊ PRECISA.

A Netflix só usa uns 3Mbps, e o Youtube é por aí tb. Se você tem quatro pessoas vendo vídeo ao mesmo tempo em casa, é capaz que um plano de — pasmem — 10Mbps ser suficiente. Claro que outros dispositivos também consomem banda sem que você nem saiba. Mas esteja ciente que o único uso capaz de precisar, por si só, dos 100Mbps, 200Mbps ou 400Mbps (!!) que você contratou é um download direto de algum servidor “topzera” (e acho que são raríssimos os que podem te entregar isso ao baixar um arquivo) ou em uma aplicação torrente com múltiplas fontes.

Então, fica a dica: não dê chilique antes de verificar esses pontos.

Instagram Pro

Eu fico de cara quando as pessoas falam que o Instagram é a rede da superficialidade. Eu gosto de fotografia, então, a rede é o Instagram. A superficialidade ou não está diretamente ligada às pessoas que tu segues e a tua sensibilidade ao assunto. Se não quer superficialidade, não siga essas pessoas e tua timeline será do jeito que desejas.

Agora, pensando que o Instagram é (ou nasceu prometendo ser) a “rede social de fotografia”, deixa muito a desejar a questão de valorização das imagens. Está na hora de surgir o Instagram Pro. Sim, porque se algum outro app como o que descreverei assim fosse inventado, Mark Zuckerberg o copiaria e o mataria em 60 dias. Com a denominação “Pro”, não intento que seja apenas para profissionais, mas que o app em si seja “pro” (ok, a gente pode pensar em outro nome. Quem sabe “Prata”, pelos sais de prata, hein? Acho que ninguém mais sabe o que é isso).

Com o Instagram Pro (ou Prata) você poderia:

— visualizar uma foto inteira por vez, e apenas ela, sem distrações;
— comentários e curtidas só apareceriam quando evocados;
— ver na horizontal ou vertical, de acordo com a orientação original da imagem;
— saber o modelo e marca da câmera usada em cada foto;
— ter seu perfil automaticamente catalogado com o de outros fotógrafos similares (claro que daria para editar manualmente isso);
— denunciar pessoas que estivessem sendo superficiais, ou deixar de segui-las (este item é só pra implicar).

:p

Liberalismo X Responsabilidade

A ciência evolui constantemente. Aprende com seus erros. Se temos inteligência suficiente pra saber que confiar nela já nos leva a uma constante mudança de ideia, por que acreditar apenas na imprecisão de nosso achismo?

— Na Grécia e Egito antigos, excrementos de animais eram usados em tratamentos médicos.

— As mulheres gregas e romanas usavam chumbo e enxofre pra pintar seus cabelos.

— Os médicos introduziam alho na vagina de suas pacientes para estudar por que algumas engravidavam e outras não.

— Os médicos perfuravam a cabeça das pessoas — trepanação — para libertar espíritos malignos.

— Bolas de vidro e borracha moída eram utilizadas como implante mamário. Bom, temos alternativas parecidas atualmente.

Na primeira metade do século XX, Karl Popper ajudou a definir a diferença de ciência e pseudociência. Hoje, absurdos costumam não mais ocorrer (tanto), pois as pessoas aprendem umas com as outras e com a ciência. Ou não?

Fora das questões científicas, mas dentro dos costumes culturais, temos outros fatos que hoje são totalmente reprováveis:

— pessoas eram contratadas para chorar em funerais na Roma antiga, como forma de impressionar a multidão;
— no Império Romano, os pais podiam vender seus filhos à escravidão. Mas somente três vezes, claro — elas voltavam quando não eram mais úteis.

O mesmo acontece com o que alguns chamam de democracia. Hábitos antigos, como levar as crianças para assistir uma execução em praça pública eram triviais, bem como pedir a morte de alguém eram bastante democrático.

Alguns outros nem tão antigos:

— andar de moto sem capacete;
— não usar cinto de segurança.

Comportamentos que parecem fazer mal só a quem os pratica, na verdade custam ao sistema público de saúde que eu e você sustentamos.

Propagar que não se deve usar capacete ou cinto de segurança seria um ato democrático quando impacta na vida de outras pessoas e na carga tributária do cidadão?

Onde acaba o liberalismo e começa a responsabilidade?

Veja se o Corona está parado neste andar

Não. Não irei falar aqui do perigo dos elevadores como local de transmissão do COVID-19. Você já vai entender onde quero chegar.

Quase 81 mil pessoas foram diagnosticadas com o vírus na China, um país de 1,4 bilhões de habitantes. Isso é menos que 0,00006% da população. Dizem que os diagnósticos representam apenas 15% dos casos. Ou seja, 540 mil infectados que 85% deles nem sintomas devem ter tido. Isso representa menos de 0,0004% do país oriental. É claro que os comedores de lámem parecem ter sido exemplarmente eficientes na contenção da epidemia, pelo que vimos nas notícias.

Antes de chegar ao elevador, quero fazer aqui uma pausa no raciocínio para propor um ponto secundário de reflexão.

Gostaria que um infectologista respondesse para eu aprender algo. Por que se considera controlada a epidemia por lá se ainda restam 1,39946 bilhões de pessoas passíveis de infecção? Não basta uma — e há pessoas ainda doentes — para começar tudo de novo? Ou as indústrias chinesas todas estão se voltando para a produção de álcool gel e WD-40 e vão barrar a praga de vez? Kkkk. É uma pergunta séria, apesar da brincadeira.

Mas vamos voltar ao viés original e descobrir onde o elevador entra na história.

Eu havia falado em 0,0004% da população atingida. Mas, além desse percentual reapresentar gente de carne e osso e esse número ser suficiente pra sobrecarregar o sistema de saúde, será que devemos realmente tratar o ser humano como uma percentagem? Uma vida é uma vida, e não importa a quantos zeros após da vírgula ela se encontra. Não é mesmo?

E é aí que traço o paralelo proposto no início.

Sabe a plaquinha aquela que muita gente pergunta por que existe fora da porta do elevador? Por que ser lei afixar a mensagem “verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar. Lei número tal.”? Lembra? Pois então, quantas pessoas morrem caindo no poço porque a porta abre sem o elevador estar ali? Quantas leem e se livram da queda? Bom, aí vai a resposta que eu sempre dei a mim mesmo: se for para salvar uma vida, uma única que seja, terá valido a pena termos milhões de plaquinhas como essas espalhadas em todos os andares de todos os prédios pelo mundo.

E ainda, de quebra, estamos ativando a produção da indústria de sinalização, gerando empregos e fazendo girar a economia para fabricá-las.

Esquerda, direta ou vice-versa?

Às vezes, vocês não têm a impressão que direita e esquerda trocaram de lado em muitos temas? Sabe quando a gente diz pra pessoa desorientada virar para a esquerda, ela vira pra direita? Aí vem aquelas frases:

— É a mão do relógio!
Ou…
— É a “outra esquerda”!

Antigamente, era a esquerda que acusava os países estrangeiros de usarem artifícios econômicos por interesse nas riquezas de nossas florestas. Agora é a direita.

Não era a esquerda que questionava a indústria da saúde por nos manterem reféns de seus produtos em nome do lucro? Hoje é a direita que questiona as vacinas e o establishment científico como um todo.

O cara que questionasse que o homem foi à lua era, com certeza, alguém que não aceitava o que os americanos nos impunham goela abaixo em nome de sua supremacia. Agora são representantes da direita que acreditam até na Terra plana.

E a música? A esquerda sempre foi elitista nesse quesito artístico, mas hoje é a maior defensora da indústria da música de massa, alegando que a verdadeira cultura do povo está ali e esquecendo que são produtos de grandes empresários do ramo, explorando e escravizando o gosto musical das pessoas.

E os católicos de direita que adoravam a Igreja e agora desaprovam o Papa? Tem esquerdista exaltando o Vaticano!

A Globo era o reduto do capitalista. Agora a direita abomina e a esquerda não para de compartilhar notícias vindas de lá.

Não sei não, mas acho que trocaram de lado só para continuar brigando.

Emicida é alívio no cenário musical

Difícil algo prender minha atenção no cenário musical atual. Até as novidades mais inventivas soam como cópias de outras. Me falta também dedicação para insistir mais vezes e aumentar as chances de assimilação do novo. Nessa situação, é preponderante que a primeira audição seja arrebatadora. E esse foi o caso de “Amarelo”, do Emicida (cuja forma gráfica é “AmarElo”).

Já havia me encantado o anterior “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…”, segundo álbum do artista. Mas este terceiro, com nome de cor, tocou ainda mais forte.

O primeiro ponto é o reforço na coerência da carreira. Quando os valores de uma obra são transmitidos para a seguinte e, de forma ainda mais contundente, consolidam a linguagem e qualidade do artista; se percebe que o talento é consistente e não passageiro. Isso é o ponto um.

Mas o mais importante, óbvio, não é o culto ao artista, mas sua obra.

“Amarelo” arrepia a cada verso, a cada escolha melódica e de arranjo. Sou um entusiasta da mistura de docilidade com vigor. Emicida entrega isso de forma perfeita — é essa uma de suas marcas.

Valorizo a melodia. Por isso, de forma geral, não me encanta estilos ligados ao rap. Uso “rap” aqui, pois é a origem do cantor, mas sinceramente, por isso que falei, vejo uma evolução do estilo com Emicida. São “canções”! Têm melodia sem perder a força da palavra, atributo essencial para o estilo musical do hip hop. Emicida também é literatura. E da mais alta qualidade!

Mas também não é só isso. O valor da obra não está só na forma genial com que está redigido, mas no conjunto: no passo melódico acima do esperado, nos arranjos, nas misturas, nas escolhas bem feitas. Pois se fosse, talvez, para mim, ainda não bastasse.

Emicida não canta a minha realidade, nem minhas questões pessoais gerais. Mas sabe dialogar e transmitir, para pessoas como eu, que também não fazem parte da realidade que ele canta, os temas tratados. Não sei nem se estou autorizado a tratar de um assunto que não domino, mas isso talvez seja o mais importante no trabalho dele: transbordar os temas para outras esferas, não ficarem confinados ao gueto, dar visibilidade. A música e a literatura brasileira estão repletas de exemplos de artistas que souberam trazer à tona realidades do povo brasileiro tão diversas em nosso país.

Por que eu estou escrevendo isso? Porque quando escuto Emicida, eu fico com o peito transbordando. Só isso basta.

Amarelo é a cor preferida de minha filha menor, que tem uma musicalidade aflorada muito grande e escuta as novidades comigo no carro. Aproveito os momentos para nutrir, da forma mais variada que consigo, a curiosidade artística dela. Percebo, por seu silêncio, que os ouvidos estão atentos enquanto o olhar atravessa distante a janela.

Tu sempre tem uma coisa diferente, né, pai?

Emicida é arrebatador!