Futebol não se discute?

Tem gente que fala que gosto e religião não se discutem. É claro que se discutem. É óbvio. Trata-se de opiniões pessoais e não de sensações ou estabelecimentos científicos inquestionáveis. Se discute sem parar justamente porque é impossível que se chegue a alguma conclusão e alguém seja convencido do contrário. Não se deve, mas se discute.

Ontem, quando o Brasil ganhou da Argentina por 3×0, pela Copa América, eu percebi por que todo mundo discute sobre futebol — apesar, também, de nunca ninguém convencer o outro ou chegarem a um consenso: por mais que se estude, crie-se táticas, analise-se e critique-se, futebol não faz o menor sentido. Por isso, vai ter sempre gente para discutí-lo.

Olhem o que aconteceu nesta Copa América:

-> Argentina ganhou do México por 3×0 -> México ganhou do Brasil por 2×0 -> Brasil ganhou da Argentina por 3×0 -> …

Ou seja, a cobra comendo o seu próprio rabo. É por isso que eu não gosto de futebol.

Ceroulão (parte 2)

Já falei sobre ceroulão neste blog. Mas agora vou dar a dica de como tirar o melhor proveito dele nestes dias de temperaturas zeradas.

Ordem para vestir as roupas (visualizem em vocês, não em mim):

1. cueca;
2. camiseta por fora da cueca;
3. soquete fino;
4. ceroulão por cima do soquete fino e da camiseta;
5. camisa de manga comprida por fora do ceroulão;
6. soquete grosso e comprido por cima do ceroulão;
7. calça por cima da camiseta de manga comprida;
8. blusão de lã por fora da calça (é claro);
9. jaqueta comprida por cima de tudo.

Eu nunca pensei que fosse usar ceroulão. Sempre me vesti precariamente, sentindo aquele friozinho o tempo todo. Só que a gente vai ficando velho e com mais frio, eu acho. Vi uma matéria, uma vez, sobre mortes em Londres no inverno. Os cientistas descobriram que as pessoas, mesmo morrendo por doenças do coração, por exemplo, estavam, na verdade, morrendo de frio, pois, como eu, sempre estavam com aquele friozinho constante. O frio compromete a saúde de várias formas. É, me convenci que o frio mata.

Cê de Caetano (a pedidos)

O disco “” do Caetano é muito bom. Diria mais: é ótimo.
As letras são excelentes (dizem que inspiradas pela separação com Paula Lavigne). Eu não entendo como é que o Caetano, um cara das antigas, velho, açoitado por muita gente, mas com uma grande trajetória na música, consegue, neste álbum, ser mais ousado, contestador, inovador e talentoso do que 99% das novas bandinhas que assim pretendem soar. Eu não conheço os primeiros discos dele, dos quais falam que “Cê” tem mais a ver, mas esse último parece ter sido feito de pau duro. É a melhor definição. E ao contrário das recentes baboseiras que ele vinha fazendo (discos de regravações, em espanhol e etc…) para sustentar a ex-mulher dele (só pode ser isso), todas as faixas de “Cê” são de autoria própria. Eu gostaria muito de ver este show. É cru. É intenso. É porrada na orelha. Mas porrada inteligente.

Imprevisível Íra!

Tirando algumas poucas canções, sempre tive implicância com o Ira!. Sim, esse mesmo do ponto de exclamação e não dos homônimos “terroristas” irlandeses. Se bem que não gosto deles também. Curtia “Flores em Você”, tema de abertura da novela “O Outro” (ah, the golden years) e daquela outra que não lembro o nome, que diz “mas não com esta farda”. Sempre achei o Edgar Scandurra um cara muito metido, pretensioso e cheio de recalques por sua banda nunca ter sido tão considerada no mercado nacional quanto seus contemporâneos de maior expressão, como Titãs, Paralamas, Barão Vermelho e Kid Abelha. Apesar de ter um bom guitarrista, eu tinha ranso com o talento dos demais integrantes do grupo e aquela “Envelheço na Cidade” me causa enjôo até hoje. Creio que a eles também, de tanto tocarem.

Depois de muito bem comentado pela crítica, resolvi dar uma chance a seu mais recente álbum – Invisível DJ. Bom, já na primeira audição, percebi que a chance que eu estava dando era a mim mesmo, pois o disco superou minhas expectativas e, sem medo de errar, posso dizer que o Ira! chegou a maturidade a passos largos à frente de suas bandas co-irmãs, cujos mais recentes trabalhos são dignos de concurso cultural da terceira idade de algum banco qualquer (sem querer ofender os velhinhos). Tirando alguns versos cuja métrica dói no ouvido, tanto letras e músicas como arranjos são empolgantes e ficam longe do estilo tio-roqueiro-tentando-ser-jovem que se percebe em outras bandas com a mesma idade. Para o meu gosto, a maioria dos trabalhos anteriores do grupo eram simplórios, com letras fracas e melodias pouco inspiradas. Já este está abençoado, como se costuma dizer, por algum sopro divino que ventou na imaginação dos “rapazes”.

Discutir religião?

Não sou nenhum tipo de teólogo, sociólogo, antropólogo ou sabe-se-lá-o-quê-ólogo para estudar as relações entre homem e suas crenças. Mas além da verdade absoluta de que a religião é o ópio do povo, algumas questões interessantes permeiam minha mente sobre esse tipo de comportamento humano, mais especificamente no que diz respeito às igrejas de massa.

As pessoas vão em busca de algo para si e nada mais — são mesquinhas. Isso se verifica quando vemos alguém pedindo a “Deus”, por exemplo, que o seu time de futebol vença um jogo, que não chova no fim de semana ou que alguém de idade, da sua família, não morra. Ora, se o seu time ganhar o outro vai perder. Se não chover para você passear no fim de semana talvez a agricultura seja prejudicada. Se seu ente não morrer, quem irá morrer no seu lugar? Ele viverá pra sempre? Todo mundo não pode viver para sempre. É uma dança das cadeiras. Se esse “Deus” para quem se reza realmente existisse, no ato, um raio fulminante cairia na cabeça de quem teve a cara de pau de pedir coisas assim.

Para alcançar o que procuram (salvação, lugar no céu, alívio a suas dores, sensação de consciência limpa) estão dispostas a qualquer tarefa, qualquer sacrifício, quaisquer gestos que sejam solicitados, menos o de não atrapalharem a vida alheia, terem respeito pelas opiniões divergentes as suas, comportarem-se como verdadeiros cidadãos em uma sociedade. Aí é que se percebe que ética e moral não andam tão lado a lado com religião como prega-se hipocritamente. Consciência não se lava com água-benta nem com sabonete de arruda.

São cegos seguidores — daí a perfeição do termo “rebanho” — já que não questionam nem desenvolvem raciocínio próprio e lógico sobre o que está sendo transmitido. Só seguem o pastor. Na maioria, são incapazes de interpretar, por si mesmos, os escritos que regem sua doutrina — são guiados pela visão de um sacerdote ou clero (nos significados genéricos dos termos) que muitas vezes divergem entre si em suas opiniões e pontos de vista. Ou seja, acreditam em uma verdade de ocasião.

Rezam sem saber o que estão dizendo (antigamente as missas até eram em latim), balbuciando palavras, não raramente, fora de seu vocabulário. Se seus murmúrios acalmam, condicionam ou unem as pessoas em torno de uma energia revigorante, é porque funcionam como mantras, pois ninguém presta atenção de fato no que fala.

Eu não sei se sou ateu. Às vezes me pego conversando em silêncio com alguém. Pode ser uma pequena chama de algum tipo de fé dentro de mim. Pode ser minha própria consciência. Mas não peço nada para mim. Não peço isso a ninguém, muito menos a esse eu-mesmo que me habita. Quando tenho vontade de pedir, não o faço; agradeço pelas coisas boas que tenho; peço pelo não-sofrimento gratuito dos outros, mas não tenho coragem de fazer o mesmo em meu nome. Será que acho que não mereço? Será que acho que outros são mais merecedores do que eu? Essa é a minha crença — acredito nas pessoas. Talvez isso seja minha cegueira, meu guia, minha incompreensão; minha religião, meu ópio.

O Primeiro

Algumas vezes, quando estou andando por um local mais ou menos remoto, penso que sou a única pessoa que pisou naqueles centímetros de terra. Não me refiro ao fato de ninguém ter estado lá, mas de não terem tocado o solo exatamente no mesmo local que eu. Viagem. É uma mania. Às vezes penso coisas assim. Claro que não se compara ao sentimento de alpinistas, mergulhadores ou astronautas. Esses, sim, são verdadeiros aventureiros que passeiam por locais realmente inexplorados. Talvez seja minha veia desbravadora pedindo para eu mandar tudo às favas (leia-se: “à merda”) e partir rumo à liberdade. Não. Acho que não. Não sou assim, definitivamente.

Mas nesse pensamento que me visita com frequência tão grande quanto a de minhas excursões exploratórias — ou seja, de cinco em cinco anos —, recentemente quebrei um de meus recordes imaginários. Só que dessa vez, tenho uma forte intuição que fiz algo inédito.

Saí de Pelotas às 4h da madrugada, em uma das noites mais frias do ano. A sensação térmica no sul do sul do Brasil estava na casa das dezenas de graus negativos. Depois de escalas e conexões em Porto Alegre, Campinas e Brasília, cheguei em Palmas (Tocantins) com uma temperatura, até agradável, mas acima aos 30ºC. Tive certeza absoluta que, dessa vez, eu era o único: o primeiro ser humano a usar ceroulão em Palmas.

Neve em Pelotas

Hoje nevou em Pelotas. Logo após ao meio-dia. Talvez não em todas as partes da cidade, mas, é certo, em muitas delas. Tá bom, tá bom! A neve nem chegou a tocar a superfície, mas, sem dúvida, existia a uns 200 metros de altura. Se Pelotas fosse menos úmida e mais alta teríamos o chão branco, como um merengue de sobremesa para nosso almoço de quarta. Olhei pela janela e lá caiam “pingos” espessos e leves, quase retilíneos, em velocidade reduzida e vindos de diferentes direções. Eram quase flocos. Com um pouco mais de “sorte” e menos densidade, a elite pelotense teria motivo europeu para tirar seus sobretudos do armário e, como verdadeiros pseudoparisienses que são, agiriam com normalidade e desdém pelo fenômeno meteorológico do qual fingiriam ser habitués. É claro que la societé pelotense mal sabe que em Paris neva (quase) tanto quanto em Gramado. Mas como nada disso aconteceu de fato, vamos pelo menos ficar com a imaginação, para poder falar mal de alguém, nem que seja um alguém-coletivo, que vangloria-se nos vidros traseiros de seus carros, de frequentar Punta de Leste. Vive la différence!

Clientes pacientes

Consultórios médicos sempre me intrigaram.

Já repararam como alguns “doutores” se sentem super-heróis ou pop stars inacessíveis? Falo especificamente do momento em que eles cruzam atrasados, pela sala de espera, para o primeiro atendimento. A maioria nunca cumprimenta. Passa reto. Quando o “próximo” entra em seu consultório, finge que está vendo a pessoa pela primeira vez (provavelmente, até está, mesmo) e é todo simpatia. Faz parte da magia.

E a pontualidade? Médico sempre atrasa. A gente marca hora mas nunca é atendido quando combinado. É incrível que as secretárias — que, no geral, ficam anos com o mesmo médico — não tenham a mínima idéia da média do tempo que ele leva em consulta normal ou revisão, nem do quanto seu chefe costuma atrasar sua chegada diariamente. Se tivessem, usariam a agenda de forma mais inteligente. Se você tem hora no final do período, pode estar certo que esperará muito para ser atendido. Mas muito mesmo. É aconselhável ligar antes ir para não perder tempo. Assim como ser um azulzinho, às vezes tenho vontade também de ser secretária de médico. :)

E os propagandistas de laboratórios farmacêuticos? Por que não é exigido que marquem hora? Passam na frente de todo mundo. E nem doentes estão. Claro que isso não acontece nos consultórios psiquiátricos, onde você é um pouco mais cliente do que paciente, pois cobra-se por hora e, aí, time is money. Lá os propagandistas não são atendidos fora de hora.

Há algumas semanas, fui consultar com um conhecido dermatologista. Meu horário era às 14:20. Já havia marcado no começo do dia para evitar contratempos. Cheguei às 14:19, como um perfeito e legítimo chato virginiano. Adivinha? “O doutor está atrasado. Tem 4 na sua frente.” “Mas como?”, indaguei. “A que horas ele começou a atender de tarde?” “A uma e meia.” “E ainda tem quatro na minha frente?” “Pois é. Sabe como é… O pessoal dos laboratórios tem preferência.” Meu sangue ferveu. “Ah, é? Tem preferência? Deve ser porque eles trazem brindes, né?”, ironizei. “Antes fosse… Hoje em dia é uma dificuldade arrancar uma canetinha que seja deles”, disse simplória a secretária. Tive que rir.