Gauchos (“gáuchos” para os menos avisados)

Inspirado pelo discurso de Vitor Ramil sobre a estética do frio, escrevi uma defesa de um trabalho para uns clientes uruguaios, que não vemm ao caso agora comentar. Achei bonitinho (e outras pessoas também), então resolvi compartilhar. É simples e curto, porém verdadeiro.

Para o povo do Rio Grande do Sul, principalmente na região sul do Estado, os países do Prata são o quintal da nossa casa. Nossas tradições culturais e hábitos nos unem. Nos identificamos mais com a milonga do que com o samba, mais com o frio do que com o calor, mais com o arroz do que com o feijão. Nosso vocabulário é farto em palavras espanholas que poucos no resto do Brasil compreendem. Falar do Uruguay é como falar de um irmão que foi estudar no exterior, de quem temos saudades. São coisas que não se explica. São coisas da alma. Já no futebol é outra história.

Não somos mais uruguaios do que brasileiros, mas, certamente, somos mais gaúchos do que brasileiros; e tão “gauchos” quanto vocês.”

Una Mierda

Uno é uma merda. Eu não estou falando isso como um caroneiro ingrato ou como um observador impiedoso. Minha conclusão se deve a experiência própria.

Neste momento, Uno é um dos veículos que fazem parte do meu dirigir rotineiro. No primeiro contato, nem parece tão ruim, pois é um carro leve, portanto, a direção hidráulica não faz tanta falta. Sim, estou falando de um modelo sem esse acessório. Uno com direção hidráulica seria uma contradição por si só. Pelo mesmo motivo do pouco peso, o motor 1.0 também não tem rendimento dos piores. É econômico. Isso é fato. Mas a gente só se dá conta por que esse automóvel popular custa tão pouco quando entra em contato mais íntimo com ele. São os pequenos detalhes, aos quais estamos acostumados, que distinguem “condução” de “automóvel de verdade”.

A luz interna do Uno não acende quando se abre a porta. Que merda. Isso significa que quando a gente chega em casa à noite, e a garagem está às escuras, você precisa acender a luzinha do teto do carro manualmente (correndo o risco de esquecer de apagá-la e ficar sem bateria no dia seguinte).

A porta do bagageiro do Uno também não é normal; é tosca. Imagine você chegando do supermercado, cheio de compras no porta-malas – não quer fazer duas viagens para dentro de casa, é óbvio. Então, você se enche de compras nas duas mãos e fica com dificuldades de fechar a porta. Levanta o braço direito cheio de sacolas e tenta empurrá-la para baixo. Só que o Uno é uma merda e o porta-malas só fecha se a mão acompanhar o trajeto inteiro da porta, até bater.  Se largarmos antes, não dá. E não adianta pressioná-la depois de encostada. Ela não fecha. Mas por quê? Nenhum carro é assim. E você não quer soltar as sacolas no chão, pois vai ter que pegá-las, uma a uma, novamente. Ah! Que droga. A conjunção “mãos carregadas” e “fechar bagageiro” não são compatíveis no Uno.

O Uno não tem ar-condicionado. Não me venha dizer que o seu Uno tem ar-condicionado (“porra, se tinha grana pro ar, por que comprou um Uno?”). Você precisa abrir a janela. Os vidros laterais do Uno não abrem apenas em cima, elem abrem na frente também.  Isso significa que mesmo com apenas alguns milímetros de abertura, o vento vem direto na sua cara. Muitos carros são assim também, mas eles têm climatização. Você só abre os vidros se estiver naqueles dias em que quer sentir “a liberdade no rosto”. Assim, com o Uno, todo dia é uma grande aventura. Você se sente livre diariamente, além de despenteado e com cheiro a cano de descarga.

Ah, o Uno só vem com protetor de cárter se você solicitar, como opcional. É mole?

Por isso, fique atento: se for comprar um Uno e alguém lhe perguntar se deseja “ar”, “direção”, “rodas” e “vidros”, pode ser que não esteja simplesmente se valendo do péssimo hábito de abreviar “ar-condicionado”, “direção hidráulica”, “rodas de liga leve” e “vidros elétricos”. Ele pode estar sendo lingüisticamente perfeito. Ah, pois é. Que merda.

Adoro Croissant

Vou quase nunca ao McDonald’s, mas ao McCafé faço questão, sempre que vejo um pela frente. O brownie é sensacional e sempre experimento um café diferente. Adoro os com sorvete. Semana passada fui de novo. O que mais me incomoda nos macs da vida é que sempre tem alguém em treinamento e, portanto, atendendo (ainda) mal. Não foi diferente. Peguei uma novata no caixa:

— Boa tarde. Um Moca Mix e um cookie de chocolate, por favor.
— Um minuto — Ela vira pro lado, fala com alguém e se distrai. Me questiona o que eu quero, de novo.
— Desculpe, o que seria mesmo?
— Um Moca Mix e um cookie de chocolate.
— Uma Coca?
— Não. Um MOCA Mix e um COOKIE de chocolate.

Ela pede ajuda para alguém porque não sabe marcar o Moca Mix no teclado. São aqueles caixas que tem um botão para cada item, imagino. Ou pior, que para formar um Moca Mix tu tem que apertar o botão da Coca com o do M&Ms. Vai saber…

— Só o Moca Mix?
— Não. Um Moca Mix e um COOKIE DE CHOCOLATE!
— Ah, tá.

Vou para a mesa esperar. Adivinha o que eu recebo? Um Moca Mix e um… croissant. Aliás, bom também o croissant. :)

Só para Não Passar em Branco – Paralamas e Titãs

Duas bandas que marcaram minha história musical. Duas bandas decadentes, atualmente. Duas bandas com histórias de sucesso, tragédia e superação. Duas baterias no palco. Erro a previsão de qual é de quem. A do Barone era a da esquerda. Fui ver Paralamas e Titãs em Porto Alegre, no Pepsi On Stage, dia 4 de abril. Não tinha como não ir. Nunca me perdoaria. O lugar é bonito, bem decorado. Recursos legais de iluminação. Só que dá para perceber que não vai passar disso. É um ginasião. Acústica terrível. Tudo bem. É um show de rock, me convenço. Compro uma água e espero o show começar.

Uma meia hora depois do marcado, eles aparecem. Começam tocando “Diversão” (uma péssima música para abrir show) e emendam “Calibre”. Achei que a minha banda era capaz de, algumas vezes, ser caótica. Eles estavam sendo muito caóticos. Não dava para entender nada. Alguém estava tocando outra música ao mesmo tempo. A acústica não ajudava. Confusão sonora. Som muito alto para um lugar assim. A performance de Herbert Vianna, principalmente quando a música era dos Titãs, era abaixo do aceitável. Ele erra as notas; não entra para cantar. Os músicos se dão conta; tentam ajudar; disfarçam com o velho truque do “vamos-fingir-que-está-tudo-bem-porque-ninguém-percebeu” levantando os braços, pedindo que o público os acompanhe com palmas. Eu sou chato e percebi, mas azar. Entendo perfeitamente a situação. Entendo as novas limitações que o destino impôs ao líder dos Paralamas. Acho que os Titãs estão exercitando a generosidade em doses elevadas para uma banda perfeccionista e com 25 anos de história. Não é para qualquer um. Tem que ter um desprendimento do tamanho do mundo. Mas, também, eles sabem que a esmagadora maioria do público não está nem aí; não capta os defeitos, apesar de serem bastante grandes.

Os Titãs saem de cena. O palco agora é só dos Paralamas. O som melhora – menos zoeira. Herbert está perfeito, agora. Os Titãs voltam. Tocam algumas juntos de novo e, logo após, o palco é só deles. Sonzeira. Agora sim. “AA-UU”, “Epitáfio”, “Cabeça Dinossauro”, “Bichos Escrotos”… É incrível a capacidade de adaptação dessa banda. Quando perderam Marcelo Frommer, contrataram um guitarrista. Quando Nando Reis saiu, contrataram novo baixista. Para este show estavam só os 5 remanescentes. Paulo Miklos assume, nesta hora, a segunda guitarra. Branco Mello pega o baixo. São os Titãs no palco. Eu me emociono com isso. Aquela trupe de 8 caras malucos e geniais, continua viva, apesar de restarem só 5. Os Paralamas voltam. Chamam Fito Páez para cantar “Track, Track” e “Go Back”, que é ovacionado na capital gaúcha: “Fito! Fito!”. Depois é a vez de Arnaldo Antunes aparecer para cantar “Lugar Nenhum” e “Comida”. Andreas Kisser entrou e saiu mais de uma vez durante todo o show. Ao meu ver, participação desnecessária. Mais uma guitarra para fazer barulho supérfluo no meio da confusão.

A noite acaba depois de 2 voltas ao palco, finalizando com uma improvisação de “Que País É Esse?”, puxada por Herbert. Um show para guardar para sempre.

Visão

As árvores passam rápido e perto. Bastante, até. O canteiro central fica bem próximo à avenida. Não estou muito acima da velocidade permitida. Só um pouco. Como sempre. É trânsito de meio-dia. Não é uma grande cidade, mas é trânsito de meio-dia. Daqui a uns trezentos metros tem uma escola. As crianças vão para casa pela calçada. Atravessam a rua. Correm. Oitenta quilômetros por hora não parecem mais tão seguros assim. Deve ser por isso que as placas limitam em sessenta. Imagino uma criança surgindo de trás de uma árvore, distraída, fugindo de brincadeira. Eu não tenho tempo de frear. Algo bate no meu capô. Tudo rápido. Imagino. Visualizo. A criança. Fico em choque. A criança. Desespero. Lembro da minha filha. Poderia ser ela. Mas não é ninguém. Só minha cabeça. Seria horrível. Acabaria com a vida dela, da sua família, com minha vida. Viveria com isso pra sempre. Um pesadelo eterno. A culpa, o remorso. Vergonha. Desculpas inúteis. Engulo seco. Fico ofegante. Poderia acontecer. Poderia ter acontecido. Costuma acontecer. Todo dia. Em todo lugar. Poderia estar acontecendo. É só uma questão de azar, de acaso, de circunstância. Num segundo, tudo bem. No outro, o inferno. Num instante a alegria da criança. No outro, a dor. Sofro com a possibilidade. Parece que aconteceu. Que horror! Reduzo. Passo no quebra-molas. Foi tão forte. Tão real. Nunca senti isso. Seria uma visão? Será que as visões são assim?

Quero uma pedra no rim

Quero uma pedra no rim. Quero sair do trabalho, no final do dia, sentindo um desconforto abdominal. Quero sentir a sensação aumentar enquanto dirijo pra casa. Quero chegar com uma dor muito forte. Quero pedir para minha mulher “coloca a chaleira no fogo e me traz uma bolsa de água quente. Tô com pedra no rim!”.

Quero vestir o pijama com esforço e velocidade desajeitada, para me deitar o quanto antes possível. Quero sentir o calor reconfortante da minha cama, mesmo que não consiga permanecer quieto sob o edredom. Quero sentir o alívio de uma dor superinsuportável passar para somente uma insuportável — “ai, que bom…”. Quero um beijo carinhoso.

Quero sentir o queimar se movimentar lentamente do rim à bexiga. Quero andar pela casa vigorosamente, para fazer a pedra descer, acompanhado de minha filha de três anos que imita soldado atrás de mim, dá risada e, agora, menos preocupada, me faz tirar um sorriso não sei de onde.

Quero tomar muita água, encher o copo muitas vezes, ir ao banheiro outras tantas — “sai, desgraçada!”. Quero urinar sangue. Quero um reike amoroso e um cafuné inocente. Quero ficar bom, mas só duas horas de dor até que não é tanto. Ao lado de minha filha que dorme, quero conversar com minha mulher sobre a vida, fazer planos para o futuro me sentindo renascido. Quero acordar no dia seguinte com uma voz de criança perguntando “melhorou, papai?”. Quero uma pedra no rim todo dia 27, pelo menos.

Tive, ontem, minha quarta cólica renal. A segunda do lado direito. E foi maravilhoso.

Não sou de reclamar, mas…

Nos últimos 4 dias de férias, nosso carro estragou duas vezes (vela e vidro elétrico do motorista) e eu fiquei com uma dor chatíssima na cervical, garganta inflamada e uma inédita gengivite/estomatite que me impossibilita fechar o maxilar pois mordo a gengiva. Ou seja, não posso mastigar nem engolir sólidos. Perdi 5kg em uma semana, entre líquido e peso de fato. Pra piorar, fui ao médico e ele escutou um sopro no meu coração, que nunca havia percebido. Como minha irmã tinha isso e precisou operar, me encagacei. Fiz uma ecografia mas, graças a Deus, tudo normal e perfeito.

Domingo, comecei a sentir as dores de minha quarta pedra no rim. Sorte que não passou de um mal-estar e, logo após, urinei seus dejetos com sangue.

Depois ainda falam de stress causado por excesso de trabalho. Já viram stress por férias?

Artesa

Sou só eu ou alguém também já ficou instigado com essas feirinhas de artesanato espalhadas pelo Brasil?

Magrinhosamente chamado de “artesa” na capital gaúcha, trazem em si o apelo de ícone da cultura de cada local. Nenhum turista deixa de visitar uma feira dessas em suas viagens. Procura-se levar para casa uma pulseira, um colar, uma renda ou um artigo de decoração representativo dos hábitos e costumes tradicionais do povo em questão. Acontece que, não importa onde se esteja — Rio de Janeiro, Fortaleza, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Brasília, Recife, Palmas, Porto Alegre (só para citar capitais) —, o que é vendido, no grosso, são as mesmíssimas coisas: os mesmos brincos de capim dourado ou de pena, as mesmas bonequinhas coloridas , os mesmos vestidos rendados. O valor do souvenir varia de acordo com o fluxo de visitantes estrangeiros no local ou com o aluguel/condomínio, no caso de “franquias” em shoppings centers e aeroportos.

Mas afinal de contas: essas peças são representativas de onde se está, se encontramos as mesmas em todos os lugares? Quem as produz de fato? Pergunte a um dos feirantes se ele conhece o artesão daquelas bijuterias; a bordadeira daqueles panos; o escultor daqueles paus e ferros. É claro que não. Aposto que todos compram de alguns poucos distribuidores, senão de um só. Pra mim, é tudo feito em escala industrial. Deve ter uma máquina especialmente desenvolvida para fazer aqueles desenhos de areia colorida das garrafinhas, se é que não é uma massa compacta com a paisagem pintada simulando a técnica original.

Pra mim, vem tudo da China, com qualidade américa-do-sul.

Pensando e Fazendo Merda – Manias e truques

VOLUME 2 – Lustrando a louça alheia

Por mais que você tenha um intestino britânico (em termos de pontualidade) como o meu, volta e meia uma emergência pode ocorrer e é preciso visitar a casinha de algum restaurante, aeroporto ou de amigos. O banheiro de nosso lar é um porto-seguro, mas contar só com ele é um luxo até para os mais organizados. Quando se está fora, nem sempre se consegue a concentração suficiente para fazer o que é necessário com desenvoltura e plenitude. Preocupações das mais diversas conturbam nossa mente motivadas pela sujeirada que estamos produzindo en rodeo ajeno.

Aqui vão umas dicas preciosas que vão tornar menos traumático o ato fora de nosso habitat.

Em locais onde te conhecem:
preparação – antes de mais nada, ao entrar no toilet, certifique-se de que há papel higiênico suficiente e que a porta pode ser trancada; existem locais em que a fechadura não funciona ou é daquelas em que se precisa dar um jeitinho;
respingos – cada vaso e cu diferem um do outro, seja pela inclinação da louça (que pode receber, ao invés da água, a massa pútrida diretamente sobre si, deixando marcas difíceis de sair) seja pela anatomia do seu próprio corpo (que pode despejar o dejeto em qualquer lugar do desconhecido receptáculo); por isso, aconselho que uma singela folha de papel higiênico seja, delicadamente, colocada sobre a água, avançando sobre alguns centímetros das paredes da cerâmica, para que receba seu presente sobre ela; isso irá garantir que não respingue na sua bunda (a conseqüência mais trágica do “tibúrcio”), nem que você deixe marcas na louça;
cheiro – você não quer “perfumar” o ambiente, claro; uma excelente técnica é, depois de finalizado, não levantar do assento para que o odor malígno não tenha liberdade de circular; puxe a descarga ainda com as nádegas coladas na tábua, mas tome extremo cuidado para que o turbilhão de água não as molhe; fique no tenteio, pronto para erguer-se ao primeiro sinal de alguma gota; só após realize a limpeza, mas nunca utilize-se de artifícios como desodorantes de ambientes; não há nada pior do que cheiro de bosta com bom-ar;
ruídos – abrir a torneira, o chuveiro ou puxar a descarga são os recursos mais conhecidos para que os pssss, pfffs e prprprprprpr sejam disfarçados.

Em locais onde não te conhecem:
– tirando a dica anterior da preparação, ignore todas as outras. Vá fundo. Cague com vigor. Cague tudo. Você não sabe quando terá um banheiro por perto novamente. Os outros que se fodam. Ninguém vai te ver de novo. Saia do banheiro com um sorriso de dever cumprido. Não precisa nem dar aquela fungadinha para fingir que não foi você o responsável. Liberte-se. Não tem nada melhor do que uma boa cagada.