Faith No More no meu K7

Demorei demais e não vou comentar o show do Faith No More em Porto Alegre. Na real, não tenho muito o que escrever, por dois motivos: (1) pulei e cantei feito um louco, coisa que eu nunca faço em shows, e, então, não tenho nenhuma opinião muito crítica — resolvi me divertir ao invés de ouvir e observar; (2) o Leo escreveu brilhantemente — compartilho de tudo o que ele disse (leia aqui).

Conheci o Faith No More por 1990 (ou antes), no álbum The Real Thing. Fiquei maluco pela mistura de metal, funk e boas melodias. Era totalmente inovador. Era época em que as fitas K7 passavam de mão em mão. A gente locava CDs na Alfaveloca (que nomezinho…) — uma locadora de CDs que tinha em Pelotas, e gravava. Era o nosso paraíso, cheio de discos importados. Eu me considerava o rei da gravação. Achava que fazia melhor do que ninguém. Alguns discos longos, que os outros não conseguiam colocar em fitas, cabiam nas minhas. Eu sabia exatamente quanto tempo tinha de cada lado do K7. Variava de marca pra marca. As Basf 60, por exemplo, comportavam 31:20 em cada face (pelo menos na rotação do meu tape deck Philips). Eu pegava o tempo de cada faixa, somava e, é claro, desconstruía a ordem original dos CDs, programando a sequência ideal de reprodução no aparelho para preencher ao máximo a primeira metade. Assim, sobrava mais espaço do lado B. Nunca faria isso hoje, é claro. (Aliás, os CD-players de hoje — ou, melhor, DVD-players — permitem programar a ordem desejada? Nem sei como fazer). Depois, escrevia o nome das músicas na máquina elétrica da minha mãe, fazia uma capinha com alguma foto de revista recortada, inseria o papel datilografado no lado de dentro e pronto, tinha minha fitinha personalizada “semioficial”. Lembro que a do The Real Thing, tinha uma imagem esverdeada dos 5, recortada de uma Bizz (ou Showbizz, não lembro qual era o nome na época).

Fiquei maluco quando vi na MTV, na casa do Xandi, que tinha antena parabólica, as primeiras imagens da banda. Aquele som que me fascinava agora tinha uma cara. A banda era foda, cheia de estilo, e a expressão de louco de Mike Patton fazia jus à genialidade musical que eu percebia nas melodias. O clipe era de Epic e nem a tosquice da explosão do piano ao final da música comprometia minha devoção.

Em janeiro de 1991, tinham vindo ao Rock in Rio 2, que não fui, mas gravei da TV em VHS. Mike Patton escalando a estrutura metálica do palco é o que eu mais lembro. Logo, comecei a perceber que a banda underground que eu conhecera meses atrás estava conquistando mais fãs pelo mundo. Quando a gente descobre algo antes da grande mídia, se acha meio dono dela. E eu me considerava assim.

Mas no dia 27 de setembro de 1991, vieram a Porto Alegre. “Como? A minha banda favorita aqui?” Claro que eu fui numa excursão. Tinha prova de química no dia seguinte, mas azar. Fui de bate e volta. Acho que era meu primeiro show internacional. O Gigantinho quase explodiu. Quem abriu foi a Maggie’s Dream, do ex-menudo Robby. Que escolha inapropriada! Depois de alvejado por revistas Bizz, distribuídas gratuitamente para o público, todos, em protesto, sentaram-se no chão. O porto-riquenho e sua banda de rock passaram um grande vexame.

Agora, 18 anos depois, para o show em Porto Alegre, juntamos quatro colegas que estavam no Gigantinho em 91 e repetimos a dose. Talvez pela nostalgia do momento é que eu tenha me empolgado tanto e voltado à adolescência. É bom quando você se permite curtir de verdade. Em janeiro tem Metallica.

No Escurinho É Mais Gostoso

As pessoas costumam reclamar quando algumas ruas carecem de iluminação pública. Os motivos são dois: enxergar para deslocar-se e a segurança. Quanto ao deslocamento, se cada um levasse uma vela, um lampião ou uma lanterna, estaria resolvido. Ainda por cima, com muito menos custo do que a manutenção do sistema público exige. Com relação a carros, cada um tem seu farol. Não existem sem. É lei. No quesito segurança, quem conhece pesquisas que indiquem que a falta de luz aumenta a criminalidade? O escuro, o soturno, as sombras são muito usados nas artes para despertar suspense, medo e aflição. Mas quem disse que esses elementos da ficção têm consequências concretas na realidade? Um ladrão enxerga o mesmo que eu, tanto na luz do dia quanto na escuridão. Um estuprador não usa um aparato de visão noturna que lhe dê vantagem visual contra sua vítima. Um vampiro… Nem mesmo um vampiro teria vantagem à noite. Ele teria é desvantagem de dia, pois não suportaria a luz do sol. Mas, nesse caso hipotético, a iluminação pública artificial também não ajudaria, pois é apenas com raios solares que ele padece.

Mas voltando a falar sério… O cidadão está em igual condições visuais com o infrator tanto na luz quanto no escuro. Não é a quantidade de lux que vai garantir sua segurança ou vitimá-lo. Sabe aquela história de deixar uma lâmpada acessa no pátio de casa, na varanda? Sou contra. Quem melhor do que eu conhece minha casa, meu jardim? Quem sabe onde termina a grama, começa a brita; sabe a altura dos degraus, das saliências, a posição das árvores, a distância do muro, onde a mangueira está enrolada? Quem leva vantagem no escuro? É claro que eu. Se nas ruas há um empate, na minha casa, sou o mestre.
Quer outro fato que comprova minha tese? Imagine um pedestre cego. Claro que seria um alvo fácil. Mas agora visualize um bandido também cego pronto para atacá-lo. Claro que sempre o agressor tem a vantagem da iniciativa, mas isso nada tem nada a ver com a condição visual.

Voltando ao vampiro… De repente, algum deputado propõe um projeto para disponibilizar estacas públicas, a cada cem metros, nas ruas, ao lado das lixeiras, caixas de correio ou orelhões. Aí, sim! Se lembram? Já até tentaram algo semelhante com o kit de primeiros socorros e com o cambão nos carros.

Minha Teoria da Conspiração Sobre a Morte (ou não) de Michael Jackson e Suas Consequências

Para mim, a morte providencial de Michael Jackson é a peça-chave em sua estratégia de “revitalização” e recapitalização. Somam-se a isso as declarações polêmicas de familiares, escândalos instantâneos, fortíssima assessoria de imprensa e demais artimanhas — pronto: tem-se o maior e mais eficiente plano de ação jamais visto. Além das coisas que todos já sabem e falam por aí, tenho alguns outros pontos e suposições a levantar.

O filme
Cercado por forte campanha publicitária, estreou semana passada o documentário “This Is It”. O projeto, lançado apenas três meses após a morte do artista (como pode?), mostra os bastidores dos ensaios para a temporada de 50 shows que o astro faria em Londres. O filme desmitifica a imagem de um Michael Jackson frágil, ingênuo, doente, manipulado, inacessível e… esquisitão. Ou seria melhor dizer “remitifica”? O que se vê é um artista consciente, ativo, perfeccionista e dono do seu próprio nariz. Sim, até o nariz está lá. Dizem que seu rosto é a soma de próteses, maquiagem pesada e dezenas de operações plásticas. Mas o que a edição mostra em detalhes é um rosto — se não, até, bonito — totalmente aceitável ou, no máximo, excêntrico. Afinal, é a face de um artista, então, qualquer maluquice tá valendo. Não estou querendo dizer que o lançamento pretende forjar uma nova imagem do cantor. Minha questão é a seguinte: será que Michael era aquele bichinho acuado que a mídia nos vendia e que corroborava com a predisposição de uma morte prematura desse tipo? Na tela, ele dança, corre — talvez não como um rapaz de 20 anos, mas, sem dúvida, como um homem de 50, normal, em forma — canta em perfeita afinação esbanjando versatilidade, alcance vocal e sentimento, sem truques, sem playback. Essa é a pessoa viciada em sedativos que, para (dormir, não) apagar, administrava-se droga potente comum em intervenções cirúrgicas? Quer dizer que, na noite anterior a cada um dos ensaios, havia passado por um processo similar ao de uma anestesia geral? Você já tomou uma anestesia geral e saiu correndo, dançando e pulando no dia seguinte?

Ingressos
Nem todo mundo devolveu os ingressos comprados antecipadamente. Não tenho dados, mas acredito que quase ninguém. São negociados como raridade, cobiçados pelos fãs e oferecidos como prêmio em promoções de divulgação do filme. Raciocine comigo: e se após o ocorrido, a produção do show resolvesse imprimir mais ingressos para sortear em ações de divulgação do filme? Ou alguém pensa que estão usando os poucos que foram devolvidos? E se imprimissem para, além disso, vender na Ebay? Olhe este por US$499,00.

Funeral
Quem conseguiria organizar um evento de tamanha envergadura, com venda de ingressos, programa impresso, vídeos exclusivos projetados nos telões, em apenas 10 dias?

O corpo
Quem viu o corpo de Michael? Será que nenhum médico, assistente, enfermeiro, embalsamador ou faxineiro do hospital sacou o celular do bolso e tirou uma foto? Qualquer evento, por menor que seja, é alvo de centenas de fotógrafos amadores. Imagina se deparar com a pessoa mais famosa do mundo, morta, ainda por cima? O ser humano é podre, não perderia a oportunidade.

Se você tem alguma constatação que indique afinidade com esse pensamento, deixe comentário aqui. Quero saber de outros fatos sobre essa teoria da conspiração.

Vida de Pai

No final de outubro, a escolinha de minha filha resolveu comemorar o Dia dos Pais. Por causa da gripe A, a volta das férias de julho foi adiada e a tradicional festinha de homenagem também. Não é preciso dizer que, na ocasião, dei graças a Deus. Podia apostar que o evento não se realizaria! Mas aconteceu. Sou totalmente bicho do mato e antissocial, pra não dizer antipático. Nunca sei o que falar em situações assim e fico constrangido com a minha falta de papo e respostas monossilábicas. “Fosse na festinha do ano passado?” “Ã-rã!” — resmungo.

Conforme marcado, 16h30 de sexta, lá estava eu, sentado em uma cadeirinha de criança com outros 50 pais desconfortáveis. O atraso de meia hora não colaborava com minha lombar. Um pai ao meu lado, visivelmente contrariado, não parava de olhar o celular e, certa hora, aflito, resmungou: “Acabou a bateria! Acredita? Logo agora! Acabou a bateria!” Franzi o queixo e fiz cara de “que coisa…”, balançando a cabeça.

O evento começou com a coordenadora pedagógica (ou algo que o valha) proferindo um texto em homenagem a nós. “Pai, muito obrigado por existir, por brincar comigo… Por me dar segurança… Por me repreender quando é preciso… — blá, blá, blá — E por, toda tarde, voltares pra casa.” O quê? “Voltares pra casa”? Na mesma hora, fiz uma brincadeira: “não sabia que existia a opção de não voltar”. O esquisitão ao meu lado, ainda abalado pelo desfalecimento de seu telefone, perguntou: “o que ela falou sobre opção?”. Totalmente fora da casinha.

A primeira apresentação das crianças começou. Era o grupo dos pequenos. De um a três anos, aproximadamente. Tocou uma música do Tim Maia interpretada por Ivete Sangalo, em gravação ao vivo, cheia de tira-o-pé-do-chão, improvisações etc. Versão totalmente inadequada a esse tipo de apresentação. As crianças estavam estáticas, procurando os pais na plateia. Imagino que era pra dançarem e cantarem, visto que as “tias” faziam uma coreografia, agitando as mãos freneticamente e acompanhando a letra. Em seguida, foi a vez do segundo grupo, de três a cinco anos — o que minha filha fazia parte. Outra música do Tim Maia pela Ivete Sangalo, ao vivo — provavelmente do mesmo CD que pulava de tão arranhado. A canção era “Você”. O grupo mais velho tinha um pouco mais de desenvoltura e assimilou melhor os ensaios da semana. Todos cantavam: “não, não vá embora / vou morrer de saudade…” De novo?! “Que problema eles têm com os pais? Acham que todos vão se mandar, sair para comprar cigarros e abandonar a família? Que horror!” Fiquei chocado.

Mas o pior estava por vir. Depois de um slideshow não anunciado, que ninguém prestou atenção, exibido em uma desproporcional tela para o local, as tias fizeram um teatrinho. Esconderam-se atrás de uma janela e empunharam fantoches em meio à gritaria dos pequenos e desrespeito total dos pais, que conversavam como se nada estivesse acontecendo. Não consegui escutar uma palavra sequer do texto que era dito através pelos microfones do DVD-karaoke e reproduzido diminuto nas caixas de som da TV.

Minha mulher tinha alertado: “adivinha o presente superútil que vais ganhar?”. Chutei: “um cachimbo!”. Imagino as tias fazendo uma reunião de brainstorm para criar a festa: “Deixa eu pensar, deixa eu pensar… Pai… Pai… Deixa eu ver… Pai… Ã… Futebol… Gravata… Ã… Cachimbo… Chimarrão e… Churrasco!”. E é claro que tinha churrasco! Às 5h30 da tarde! Não é perfeito? Saí de lá me sentindo muito mais pai do que quando eu cheguei.

Brincadeiras à parte, esse tipo de evento é importante para as crianças e é por isso que eu fui. A escolinha é muito boa, só as tias são um pouco atrapalhadas. Só um pouco.

Living Colour em Porto Alegre

foto: Rodrigo dMart

24 horas se passaram e meus ouvidos ainda zunem. O som estava realmente ruim. E alto. Muito alto. Mas não era uma questão de “som rock and roll”. Estava embolado, confuso. E não me venha com essa que eu estou velho. Chegou ao ponto do baixo ter problemas, o roadie ficar desesperado procurando o defeito, ficar pulando feito um louco para que Doug Wimbish trocasse de instrumento, e ninguém, nem eu, percebeu que seu som estava ausente. E são apenas três instrumentistas no palco. Quando 1/3 deles desaparece, algum buraco gigantesco deveria surgir. Não acredito que alguém perceberia a falha apenas pela audição. Não de onde eu estava.

O Opinião é pequeno, bom de se assistir. Não tem lugar ruim. Então por que, porras, o operador de som não conseguiu tirar um som decente? PA, em lugares assim, serve só para preencher o que falta. Os amplificadores de palco, praticamente, dão conta do recado sozinhos. Acho que ele percebeu isso no meio do show. Mas, depois, piorou novamente.

“Cult of Personality” estava inteligível. Tinha a exata impressão que cada um tocava em tom diferente, tamanha a perturbação sonora. Como se ouviam no palco Claro, monitores in ear. Não era exatatamente esse Living Colour que eu queria ver.

A segunda vez da banda em Porto Alegre mostrou que Corey Glover é um cantor fenomenal, William Calhoun toca pra caralho, o carisma do ex-baixista, Muzz Skillings, não é insubstituível como eu pensava, e Vernon Reid deve mandar ver no Guitar Hero. Só que minha paciência com os barulhinhos atonais do virtuose já não é do tamanho de quando adolescente.

O público não foi grande. Chuto, metade da lotação. Melhor pra quem compareceu. Mesmo com o péssimo som, valeu a pena ter presenciado de perto meus ídolos de ébano. São gente finíssima e atenciosa – distribuíram autógrafos e sorrisos para meio mundo. Não tocaram “Middle Man”, mas eu poderia apostar que “Glamour Boys” ficaria de fora, só que todo mundo cantou junto “I’m fierce… Uuuh!

Agora é esperar pelo Faith No More, dia 3 de novembro. Será no Pepsi On Stage, onde o som costuma ser horrível. Mas por minhas experiências anteriores, duvido que seja pior.

Troca-troca

Escrevi para meus padrinhos. Foi baseado na realidade de suas personalidades, mas, claro, a história é ficção.

* * * * * * * * * * *

Ele não vai ao médico. Ela não faz lentilha. O impasse tem quase 10 anos.

Quando querem cutucar um ao outro, ela destrincha um discurso sobre a saúde dele, ele reclama que ela não prepara o prato que tanto gosta. Ela é cozinheira de mão cheia. Sempre uma receita nova. Não tem medo de ousar. Mesmo assim, ele não deixa passar: “e a minha lentilha?”. Aproveita o dom gastronômico da mulher e se farta. Os banquetes agradam-lhe à alma e ao paladar. Sedentário, a cintura e a pressão aumentam. “Luiz Antônio, não tá na hora de fazer um check-up?” Pronto! É motivo para fechar a cara e não se falarem por dias.

Certa terça-feira, ela teve uma ideia.

— Luiz Antônio.
Zzzzzzz
— Luiz Antônio!
— Ã, o quê? O quê?
— Tava pensando…
Cof, cof, rrrrrr… Ã… Fala.
— Quem sabe a gente faz um… troca-troca?
— Quê?
— Q-u-e-m  s-a-b-e  a  g-e-n-t-e  f-…
— Eu entendi essa parte. Mas que história é essa de troca-troca?
— Ué? Eu só tava pensando…
— Nunca fui homem disso, Maria Clara.
— Não seja por isso. Tu nunca foste homem nem pra ir ao médico…
— Ah, tá. Vai começar de novo?
— Tá, tá, tá. Calma. Mas eu tô falando sério sobre o troca-troca.
— Que isso, Maria Clara? Eu aqui trabalhando e tu me vens com sacanagem?
— Ai… Quase 40 anos de casamento e parece que tu não me conheces.
— Então, me explica. Me explica que eu já tô ficando nervoso com esse troço.
— “Troca-troca” assim: primeiro tu vais ao médico fazer um check-up…
— Eu falei para não falar disso.
— Então, não falo! Não falo mais nada! Cansei!

E ficaram uma semana sem se falar de novo. Só que ele não conseguia parar de pensar na conversa da esposa. Sempre foi um homem fiel, dedicado à família. Agora a patroa vinha com essas modernices. “Só pode ser a menopausa ou coisa parecida.” Por outro lado, já estava com mais de 60. Muitos de seus amigos divorciados contavam as vantagens em serem solteiros e voltarem à puberdade. Matutou alguns dias e decidiu aceitar a proposta. Afinal, teria a oportunidade de aproveitar os prazeres da vida na companhia de sua parceira eterna. Muito melhor do que qualquer outra opção que só os fizessem sofrer. Estava decidido. Iria encarar o tal troca-troca. Chegou em casa sexta à noite e a chamou:

— Maria Clara!
“Ué? Resolveu falar”, ela pensou.
— O quê, Luiz Antônio?
— Sabe aquela história?
— Que história?
— Do… Do…
— Desembucha, Luiz Antônio.
— Do… Do troca-troca.
— Ah. Sei.
— Pois é, eu pensei melhor e acho que pode ser legal.
— É mesmo?!
— É.
— Puxa, não sabes como eu fico feliz em ouvir isso!
— Quando podemos fazer?
— Quando tu quiseres. Só tenho que ligar e marcar.
— Eu já convidei o Paulão do shopping e a esposa dele.
— Quem?
— É… Ele ficou meio assim, mas acabou concordando.
— Ã… Tá.
— Gente finíssima. O Paulão é boa-pinta… Ela, mais ou menos. Mas aí, azar o meu, né? Ele convidou até mais um casal amigo deles. Não sei direito quem são, mas levo fé no Paulão.
— Quê?!
— Tá tudo combinado!
— Mas Luiz Antônio… Vais trazer quatro pessoas pra comer minha lentilha?
— Que lentilha?

Diga que Não Estou

Diga que não estou; que saí; que fui viajar; que não posso atender; que ligo depois. Diga que estou em reunião; que estou sem voz; adoentado; amolado; resfriado; que fui ao banheiro; que ainda não cheguei. Fui almoçar, volto logo. “O ramal está ocupado. Quer deixar recado?” Fale que não estou atendendo; que estou em outra ligação ou não me achou em minha mesa. Fale que estou dormindo, com dor de cabeça. Cheguei tarde ontem. Invente qualquer coisa, como que fui comprar cigarros e não voltei. Diga que ninguém me viu hoje ou tem notícias. Ninguém sabe de mim. Que fugi; desapareci. Não deixei bilhete nem avisei a ninguém. “Ele não levou o celular.” Mande ver se estou na esquina. Diga que morri.

A Fórmula 1 e o MP3

A revolução digital está fazendo bem à música? As constantes mudanças no regulamento da Fórmula 1 estão surtindo o efeito esperado quanto à popularidade do esporte? Quando as canções que conhecíamos eram, predominantemente, as que as grandes gravadoras impunham, tínhamos mais tempo de contato com cada artista na mídia e mais chances de assimilarmos uma ideia, mesmo que à força; mesmo que ruim. Quando havia a supremacia de uma equipe e um piloto, como Ayrton Senna e Michael Schumacher, criavam-se heróis tão importantes, por exemplo, à formação da personalidade de crianças e que elevavam o nome do esporte. Agora, as opções musicais que temos são tantas, mas tantas, que, na ânsia de ouvirmos tudo, acabamos não ouvindo nada direito. São tão equivalentes as chances de cada time ou piloto chegarem ao pódio que nenhum desponta, chama nossa atenção ou desperta nosso imaginário em busca de um ídolo. “Eu ontem baixei 35 discos.” “Pô, viu como o campeonato este ano está equilibrado?”

Parece que estou reclamando que as majors estão perdendo a força e que a música independente tem mais chances de competir? Será que estou discordando que a cauda longa esteja atingindo até o automobilismo? Claro que não precisamos de um filtro com interesses comerciais ao invés de artísticos. Claro que o talento humano deve prevalecer ao poder econômico das máquinas de correr. Claro? Móveis Coloniais de Acaju não deveria estar dividindo as páginas da Rolling Stones com o Paralamas do Sucesso? A Brawn de Barrichello não merece ter as mesmas chances do que a Ferrari de Massa? Eu devo continuar baixando todos os álbuns de todos os artistas que tenho curiosidade e não dar atenção direito a nenhum deles? Devo continuar torcendo por um brasileiro que em um domingo pode vencer e no próximo chegar em último?

As pessoas estão virando pseudoconhecedoras de tudo mas especialistas em nada. Information overload. Será que o ser humano tem vocação para ser dono do seu próprio nariz? Por que estou colocando em dúvida tudo que sempre acreditei? Alguém que tenha a resposta me mande um e-mail, um SMS, uma IM, publica no blog que meu Google Reader me mostra, tuita, liga, manda carta ou picha num muro? Obrigado.

Uma Geração Atrás

Sim, eu sou do século passado, como todos que devem estar lendo isto. Mas não é desse tipo de geração que estou falando. Minha questão é sobre equipametos eletrônicos portáteis

Tenho certo constrangimento quando me ponho, em público, a manusear certos gadgets. Explico melhor: quando foi lançado, é claro que eu queria ter um iPod, tanto que comprei pouco depois. Mas preferi um preto e pequeno (Nano). Ao encomendar, achei que os fones também seriam escuros; discretos. Minha intenção era não parecer estar usando um iPod. Era sinal de status andar com fones brancos nos ouvidos, mesmo que o som estivesse saindo de um Jwix ou qualquer outra marca-diabo – sou avesso a modismos e mais ainda a exibimentos. A decepção foi quando chegou e os fones não eram da cor aparelho. Só não fiquei mais frustrado do que com a anatomia e som que saiam dele. Imediatamente resgatei os meus antigos fones Sony que, além de tudo, são pretos.

Uma vez estava em um aeroporto, quietinho com meus in-ear pretos e com o Nano em sua capa de couro no bolso, quando sentou ao meu lado um gurizão com um iPod Video gigantesto, branco e, pasmém, dependurado no pescoço. Deu vontade até de mudar de lugar. Sabe vergonha alheia?

E quando chegaram os celulares? Na época, disse que só teria um quando deixasse de ser extravagante e chamativo atender a uma chamada no meio da “Mesbla”, por exemplo. Mas os dito-cujos se popularizaram rápido e logo tive meu telefone móvel. E a Mesbla, coitada, fechou.

Penso o mesmo sobre o iPhone. Claro que eu estou me mordendo pra ter um. Mas imagina eu escrever este texto, no meio da festa de aniversário da minha afilhada, em um iPhone. Ninguém percebeu enquanto eu fazia isso com meu Nokia de 3 anos atrás. Mas não passaria incólume com um iPhone.

O pior é que, à medida que vou ficando mais velho, só tende a piorar.