— Olá.
— Bom dia, senhor.
— Por acaso, vocês têm “Be Kind Rewind”?
— Temos, sim.
— Que bom, vou locar.
— Quer entrar na fila de espera?
— Não, quero levar agora.
— É que todas as cópias estão locadas, senhor.
— Então vocês não têm.
— Ter, temos, senhor. Estar, é que não está.
— Tá. Então, vou entrar na fila de espera. Como faz?
— Me diga o seu nome e eu ligo para o telefone de sua ficha quando chegar.
— Mas “quando chegar” quando?
— “Quando chegar”, quando chegar.
— Tipo, se chegar segunda-feira às 2 da madrugada você vai me ligar?
— Eu não, porque eu trabalho só até às 23.
— Ok. Então o seu colega vai me ligar?
— Não. Na verdade, a locadora só trabalha até às 23h.
— (paciência)
A fila se formando. Todos acompanhando o desenrolar.
— Posso reservar para um dia específico?
— Nossas regras não preveem esse tipo de reserva, senhor.
— E você não pode anotar em um papelzinho, ou na sua agenda, que eu quero esse filme para o sábado?
— Até posso, mas não garanto que funcione, porque sai das regras.
— Precisa de tanta regra para locar um filme?
— Temos mais de 6 mil filmes, senhor. São mais de 4 mil clientes.
— 6 mil títulos e não tem o que eu quero?
— Temos 22 cópias desse título, senhor.
— Mas todas locadas…
— Sim, senhor. Saiu na Veja semana passada. Todo mundo quer locar.
— “Na Veja”. Grande merda que saiu na Veja. Eu sou fã do Gondry. Vi todos os filmes.
— Todos os clientes têm seus motivos, senhor.
— “Mimimi… Saiu na Veja…”
Instantes de embate silencioso.
— Senhor, vai querer entrar na lista de espera?
— Vou esperar aqui do lado, pra ver se alguém da fila não está devolvendo, pode ser?
— Pode. Obrigado, senhor.
— Que bom que pode.
Depois da terceira devolução.
— Esse é o “Be Kind Rewind”, não é?
— É sim, senhor. Mas é a cópia widescreen.
— Graças a Deus que é. Vou levar.
— Senhor, desculpe, mas existe outra pessoa na lista de espera já. O senhor não pode levar agora.
— Mas como? Eu estou aqui, pessoalmente. Esse cara da lista tá deitado em casa, coçando o saco, esperando você ligar pra ele.
— Não sei informar, senhor. Mas ele entrou na lista, o senhor ainda não.
— Ai, meu Deus!
— São as regras, senhor.
— E se ele não atender o telefone?
— Aí eu passo para o segundo da lista.
— “Segundo?” Quantos têm nessa lista?
— Apenas dois, senhor.
— Dois são suficientes para me irritar.
Silêncio. O atendente liga.
— Pergunta se ele não tá coçando o saco, pergunta.
Chama 2 vezes.
— Não tá atendendo, viu? Não tá atendendo!
— Mais um minuto, senhor.
— Ele saiu. Eu sei. Dia bonito. Sol. Foi pra praia.
— Tem razão, senhor.
— O quê? Foi pra praia?
— Tá um dia bonito.
— Aiiiii.
— Olha, senhor. Não atendeu.
— Ótimo.
— Vou ver se tem o celular na ficha.
— Que “celular”? Vocês ligam pra celular?
— Quando o cliente pede, sim.
— Mas vai gastar mais do que o lucro da locação.
— O custo de ligações já está embutido no preço da locação, senhor.
— Em todas? Mas vocês nunca me ligaram. Aliás, não preciso que me liguem, pois eu venho aqui pessoalmente, gasto gasolina. Quero desconto.
— Isso não é possível, senhor.
Silêncio.
— Tá desligado.
— Significa que o filme é meu?
— Não, tem o segundo na lista.
— Puta que pariu.
Fila se formando de novo.
— Acho que o senhor deu sorte, senhor.
— Ahahahah. Ah, é? Por quê?
— A ficha deste cliente está bloqueada.
— Picareta. Só podia. Gente que pega filme porque viu na Veja não pode prestar.
— Não, senhor. Está bloqueada porque a pessoa faleceu. Deu sorte mesmo.
— Ah… Que bom!
— Coitado.
— Quê?
— Tadinho dele, né, senhor?
— É. Agora, dá meu filme.
— Senhor, não posso. Ele precisa ir pra prateleira e o senhor pega de lá.
— Como?
— Sim, são as regras.
— Mas a locadora tá cheia. Tem um monte de gente na frente da comédia.
— Vá se posicionando, senhor.
— Não acredito nisso.
— Aqui… Só pro senhor…
— Ã…?
— Pshhh… Vou colocar no canto esquerdo, quase no drama. Gostei do senhor, tá?