Pais e Filhos — Sinal dos Tempos

reuniao-de-pais2Pai, do tipo empresário, ocupado com seus afazeres diários, com o celular em um ouvido e o fixo em outro, telefona para o colégio da filha.

— Alô.
— Olá! Ouvi dizer que hoje teria reunião de pais da turma da minha filha. Pode me confirmar, por favor?
— Pois não, senhor. Em qual ano ela estuda?
— Ã… Ã… Puxa…
— O senhor não se lembra em qual ano sua filha estuda, senhor?
— Bom, faz uns dois ou três anos que ela estuda nesta escola… Deixa eu ver…
— (…)
— Ela estudou em uma escolinha antes, daquelas de bebê. Pré, maternal, essas coisas. Ficou uns anos e, então, foi pra aí. Isso! Está aí faz uns dois ou três anos e, então, ela chegou onde está — pum!
— “Pum“? Meio vago. Concorda?
— Pois é…
— O senhor sabe pelo menos se é no ensino fundamental ou médio que ela estuda?
— Olha, dona… Na minha época não tinha isso de médio e fundamental. Eram primeiro e segundo graus. Me confundo sempre agora. Mas ela é pequena.
— “Pequena”, quanto?
— Assim… Tipo na minha cintura.
— Sei.
— Não! Espera! Essa é a outra. A que eu falo é a maiorzinha; dá mais ou menos no cotovelo. Talvez no peito. Eu sei que ela fica pequeninha quando abraço.
— Senhor, infelizmente, não conseguirei ajudá-lo.
— Não, é?
— Não.
— Puxa. Era tão importante eu ir nessa reunião, né?
— É. Reuniões de pais são tipo reuniões mesmo. Dessas que o senhor deve estar acostumado. A única diferença é que os pais vão nelas.
— Sim, claro. Com certeza. Geralmente, a mãe é que faz isso. Ela vai sempre. Superimportante, mesmo.
— Uma dica que dou é que os pais olhem sempre a agenda dos filhos. É onde as professoras anotam os recados.
— Agenda! Agenda! Sempre esqueço. Não tenho tido tempo pra isso. Um post-it, assim, colado no bracinho dela, ou na testa, se não incomodar muito, poderia ser adotado como procedimento para avisos?
— Como, senhor?
— Nada. Deixa.
— O senhor não tem o telefone de alguma amiguinha para ligar e perguntar?
— Acho que nessa idade elas ainda não têm celular. Ou têm?
— Senhor, “ligar para os pais delas”, quero dizer.
— Ah, nem pensar. Nem conheço. Nem sei se já morreram, se estão vivos, se são os tios que cuidam delas…
— Bom, sendo assim… Posso ajudar em algo mais?
— Ah! Lembrei de uma coisa que talvez ajude.
— Sim…
— Ela vai pra aula sempre de uniforme vermelho. Dá pra identificar o ano pela cor do uniforme? Tem, tipo, um código cromático em degradê? Amarelo, primeiro ano; laranja, segundo; vermelho , terceiro…
— Senhor, todos nossos uniformes são azuis. Creio que o senhor ligou para a escola errada.
— Ups.
— (…)
— Bom, então é isso, né?
— Parece.
— Passar bem. E obrigado pela ajuda.
— Até, mais, senhor.
— Até mais.
— Senhor, senhor! Não desligue!
— Sim, pois não.
— Para seu conhecimento, não há nenhuma reunião de pais em nossa escola hoje.
— (tuu, tuu, tuu…)

Fundar Um País?

bandeiraE se eu fundasse um estado ou um país? Seria massa.

Nenhum órgão fiscalizaria meus atos. Não deveria prestar contas a ninguém. Poderia ser membro das Nações Unidas e pleitear recursos de algum projeto em prol dos países subdesenvolvidos — pro meu! Mas abdicaria do meu direito de voto, para não complicar nem correr riscos de cometer algum incidente diplomático. Meu blog seria o Diário Oficial e meu mp3-player a rádio estatal. A segurança eu mesmo faria. Se houvesse alguma ocorrência maior, como arrombamento da porta da minha casa, pediria auxílio à ONU. Afinal, seria uma questão de invasão de fronteira. Os Estados Unidos certamente viriam me proteger, bons samaritanos que são.

Criaria minha própria moeda. Ou melhor, adotaria uma existente e estável. Teria câmbio e regras fiscais próprias, que me favorecessem, claro.

As importações estariam liberadas, sem cobrança de taxas alfandegárias. Chegaria todo dia um pacote da Deal Extreme, sem necessidade de custar menos de US$ 50. Chocolates belgas, bacalhau norueguês, eletrônicos a preço de banana. Compraria o melhor do mundo por um preço inacreditável. Em troca, exigiria acordos comerciais que me permitissem exportar meu trabalho para o mundo inteiro sem incidência de impostos.

Teria hino, brasão e bandeira. Desfilaria na abertura dos Jogos Olímpicos e representaria meu país em qualquer esporte para o qual conseguisse um índice olímpico. Vale Wii Golf?

Seria famoso, claro — “o país de um homem só”. Poderia vender camisetas, bonés, canecas, mouse pads. Criaria um canal de donativos conhecido como Óbolo do Cuca. Não confundir com “lóbulo do Cuca”.

Não é má ideia. Se o Vaticano conseguiu…

(a bandeira acima criei randomicamente neste site.)

Cascas de Feridas — Oficina do Carpinejar

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Neste fim de semana, participei da Oficina de Crônicas de Fabrício Carpinejar, em Pelotas. Foi muito bacana. O cara é fera e fez com que muitos de nós quebrássemos alguns paradigmas pessoais.

Abaixo, publico o exercício do primeiro dia. Tivemos 10 minutos para escrever sobre um de nossos defeitos. Após a última linha, coloco o final alternativo sugerido pelo “professor” e, sem dúvida, melhor que o meu.

Arranco todas as casquinhas. Sim, casquinhas. Daquelas de ferida. Não resisto. E olha que tenho muitas. Até as fabrico só para poder cavoucá-las. Minha matéria-prima preferida são picadas de mosquitos. Dão uma coceira enorme. E o melhor é que sou alérgico. Isso facilita o processo. Quando recentes, aproveito a unha mais saliente e faço uma fenda. Fica parecendo uma bundinha. Depois, faço outra e vira uma marca em xis. Mais um outro xis envesado e tenho um asterisco. Nossa, como é bom! Ela fica vermelha. E pulsa. Como pulsa, meu Deus! Quando alivia, começo tudo de novo. Dezenas de vezes.

Com esse processo metódico e paciente, toda picada de mosquito no meu corpo vira uma casquinha de ferida. Quando acontece, posso arrancar em ritual sádico. E sabe o que é melhor? Elas voltam! Sempre voltam!

Tenho uma grande cultura de casquinhas que mantêm sob controle meus instintos mais primitivos.”

Final alternativo:
Durmo de janela aberta.”

Índio Quer Apito Se Não Der Pau Vai Comer

No Blog du Cuca de hoje, iremos entrevistar o índio Itacuca, que em tupi significa “pão doce coberto com açúcar feito sobre pedra”. Vamos descobrir o que pensa o homem indígena sobre as questões de propriedade e cultura que conflitam com o homem branco.

BLOG DO CUCA — De quem é o Brasil para o senhor?
ÍNDIO ITACUCA — “Senhor”, o caralho. Me chame de “Doutor Itacuca”.
BC — Desculpe, “… para o Doutor?”
ÍI — O Brasil é dos índios. Já estávamos aqui quando vocês chegaram.
BC — Com certeza que sim. O que o “doutor” acha que deve ser feito então?
ÍI— Queremos ter casa, comida, roupa lavada, um carro “bão” na garagem, Unimed, uma bolsa-índio para cada filho e devolução de nossas terras, na proporção de mil hectares para cada um de nós. Você sabe que índio é um povo nômade, vivemos da natureza, não sabe? Precisamos de espaço.
BC — Sei. Mas sendo assim, não seria correto que a cultura do homem branco não fosse misturada com a do índio? Por exemplo, as moderidades que o “doutor” citou não deveriam estar fora dessas exigências para que o índio pudesse ser, de fato e em sua plenitude, índio? Afinal, assim era quando os europeus aqui chegaram e assim estariam até hoje se não fosse a intervenção do homem branco.
ÍI — Você quer dizer devolver a televisão via satélite, a caminhonete cabine dupla, o calção do Flamengo e voltar para o mato?
BC — Exatamente.
ÍI — A gente é índio mas não é bobo.
BC — Pessoalmente, acho que o índio tem direito de ser índio (100% índio) e tem direito de ser cidadão (100% cidadão). Como cidadão ele terá seus direitos e deveres. Misturar é que fica estranho — ter só direitos e não ter deveres é o que todo mundo quer, mas não é justo com o restante do povo.
ÍI — O que não é justo é roubarem nossas terras, matarem nossas famílias em troca de espelhinhos. O homem branco tem que pagar.
BC — Mas isso faz centenas de anos. Os homens de hoje, em sua imensa maioria, não agem assim, têm vergonha dessa face de seu passado e gostariam de honrar as responsabilidades que herdaram. Porém, por outro lado, no Brasil, somos uma miscigenação. Eu mesmo também devo ter em meu sangue tanto índio como negro. Como saber quem é culpado e quem é vítima do passado? Não seria melhor a gente viver em paz, como semelhantes, já que não inventaram uma máquina do tempo com a qual pudéssemos reverter os erros de nossos ascendentes?
ÍI — Mim não falar sua língua. Mim com fome. Podemos pedir para iniciarem o rodízio?
BC — Claro, “doutor”.

Non, non, non!

Meu sogro não é de Pelotas. Não conhece nada aqui. Está nos visitando por um mês. É um “italionon” de 82 anos e marca-passo. Após o almoço, pediu para deixar-lhe no Centro quando eu fosse trabalhar. Precisava ir à Caixa Federal da XV e cortar o cabelo. Depois, queria dar uma volta, caminhando sozinho, conhecer o lugar. Anotei o endereço do trabalho, os números dos telefones e dei para colocar no bolso. Pedi que mostrasse seu aparelho celular. Peguei, testei, aumentei o volume da campainha ao máximo e devolvi. Ao largá-lo na esquina do Aquário, indiquei: “a agência é pra lá”. Fui embora.

No meio da tarde, apareceu de volta com cabelo cortado e um livro novo do Augusto Cury — autor que gosta. Deu tudo certo.

À noite, jantando uma bela sopa, que ele mesmo fez, contou onde foi cortar o cabelo. Alguém indicou o Mercado Público sem saber que está em reforma. Foi até lá em vão, mas acabou encontrando o local provisório — aquele buraco fétido na quadra da Khautz pela Andrade.

— É… É um lugar meio feio, improvisado, escuro — falou. Mas cortaram meu cabelo.

Minha sogra, logo se manifestou:

— E se fosse um esconderijo de maconha?
— Ah! Pombas! A senhora sempre pensa o pior!

Quase engasgamos com a sopa.

Eu, De Fora de Mim

“Escuta a música que fiz com a tua letra. O que tu acha? Posso colocar no disco?”

Eu não lembrava de ter mandado aquilo para o Felipe (Mello, da Doidivanas). Muito menos de ter escrito. Fiquei confuso demais. Ainda mais se tratando de um dos compositores e cantores mais talentosos com quem tive o prazer de tocar e conviver. Forcei a memória por todos os lados. Enfiei um barbante por um ouvido e puxei pelo outro, pra ver se extraia alguma pista dos meus neurônios. Nada. Nenhum verso relampejava sinapse qualquer. Eu precisava ter uma única prova sequer que aquilo era meu.

“Felipe, tem certeza que esta letra é minha?”

Ele garantia. Pelo menos que havia enviado pra ele. Mas eu estava incrédulo. Afinal, todo mundo pode se enganar, trocar as bolas, fazer uma “felipada”. Tá certo, meu estilo meio fajuto de compor estava ali — palavras óbvias, rimas fáceis, toantes (ou assonânticas), construção reta. Mas isso não bastava. E o pior: “o que eu quis dizer com ela?”. Foi quando, um sopro de sanidade — uma microdescarga elétrica, das mesmas que mantêm um trauma vivo na cabeça — me fez lembrar de um caderno velho onde anotava coisas, versos, ideias em geral. Era um bem surrado da faculdade; reaproveitado. Bingo! Estava lá, com minha caligrafia. Ufa! Alívio! Afinal, o meu nome constaria nos créditos do CD e, definitivamente, não queria cometer injustiça com alguém.

Eu ainda precisava batizar a canção, mas não tinha entendido o contexto e a intenção que dei na época. Tranquilo, me pus a interpretar as figuras de linguagem dali. Pela primeira vez na vida, consegui ver algo meu de fora, isento, com os olhos de um terceiro. E gostei. Fiquei feliz. Estava direitinho, apesar de algumas liberdades poéticas que talvez não me permitisse hoje.

Esse olhar externo foi o que me fez escrever este post. Eu sempre quis ver um show da minha banda, mas estando sobre o palco tocando não era possível. Todo mundo que trabalha com criatividade, e com arte principalmente, carece de opinião. A melhor opinião, sem dúvida, seria a sua mesmo, se fosse possível se ausentar de si para um olhar imparcial.

“Dois Polos” foi como a chamei. Está lá, abrindo o disco “O Som da Paisagem” do trabalho solo de Felipe Mello, chamado “Aeroflip“, o qual também tive o privilégio de fazer o projeto gráfico. E, claro, o disco é ótimo, com destaque para “A Casa das Canções”, “Um Blues Depois de Mim” e “Quando o Coração É Um Violão Desafinado”.

Você pode comprar o CD pelo Facebook, solicitando ao Felipe aqui.

Me Sinto Estranho

Me sinto estranho parado em uma esquina; esperando por alguém. Não consigo deixar de imaginar que podem questionar o que faço ali; quais minhas intenções. Pego o telefone, finjo alguma consulta. Respiro fundo, demonstrando insatisfação com o atraso de alguém. Movimento-me do meio-fio à parede, inquieto. Afinal, parado, causaria muita desconfiança — não tenho más intenções.

E mudar de sentido enquanto caminho? Seja por um esquecimento de algo que precise voltar e buscar, seja por engano de trajetória mesmo, acabo levando a mão à cabeça pra simular um lapso qualquer. Afinal, quem em sã consciência não tem certeza para onde vai? O que vão pensar?

Também me sinto estranho almoçando sozinho em um restaurante. Não acho tristes pessoas que fazem, afinal é meio-dia e todos comem entre um turno e outro de trabalho. Mas, não sei por quê, deduzo que pensem isso de mim. Prefiro buscar comida a comer fora, mesmo que dê mais trabalho ou leve mais tempo. Na pior das hipóteses, nem almoço. Sentar sozinho, nem em lanchonete.

Por muito tempo também nutria ressalvas em andar com fones de ouvido. Quando adolescente, os walkmans (ou o plural seria “walkmen“?) reinavam, mas poucos os tinham. Não havia essa adesão ao escudo sócio-musical que esses dispositivos portáteis propiciam. Quem usava acabava chamando mais atenção do que se isolando. Deve vir daí meu bloqueio. Prefiro sempre a discrição. Talvez seja um dos motivos pelos quais hoje optei pelos in ear. Recentemente, comprei uns externos muito bons. Ainda estou tomando coragem para usá-los na rua. Me sinto ridículo. No mínimo, estranho.

Mas estranho mesmo, nesses casos, é me importar tanto com o que pensam de mim. Pois, para outros assuntos, na maioria das vezes, estou me lixando. O que você pensa disso?

Boa Companhia

Sou boa companhia de viagem.

Não tusso, não fungo e não espirro (muito). Não faço barulho para engolir líquidos nem sólidos. Não soluço. Não ronco de lado; eu durmo de lado. Não me engasgo com comida. Não me engasgo com saliva.

Acordo antes. Tomo banho rápido, porém dois por dia. Não deixo toalha em cima da cama. Só sujo um prato. Faço comida. Tiro a mesa. Bebo água.

Caminho 10km sem problemas. Não preciso ir ao banheiro frequentemente. Meu intestino é um relógio. Acompanho passeios, espero em lojas e carrego sacolas. Não reclamo de nada. De quase nada.

Não fico morrendo de fome se não como de três em três horas; nem de cinco em cinco, se necessário. Gosto de tudo, inclusive de provar novidades. Tomo qualquer tipo de leite, do desnatado ao integral. Uso açúcar ou adoçante — o que tiver.

Converso, mas pouco. Não grito. Sou discreto. Eu não encho o saco; mal respiro.

Pensando bem, talvez eu seja um péssimo companheiro de viagem.

Como o Rock-gaúcho Colaborou com a Desconstrução de Um Estado

(este texto deve ser lido com bom-humor, alguma ironia, desprendimento e felicidade no coração)

O Rio Grande do Sul começou a degringolar quando o rock-gaúcho ensaiou alçar voos nacionais.

Os gaúchos costumavam ser um povo referente para o resto do País. Nossos índices sociais e econômicos, por muito tempo, estiveram no topo das estatísticas. Mas essa imagem veio se perdendo. Não só a imagem, como os fatos. Já falei sobre meu ódio por esse “orgulho gaúcho” imbecil aqui. Eu acredito piamente que, se não uma causa, uma dos primeiros sintomas da decadência foi o rock-gaúcho.

Note que usei “rock-gaúcho”, com hífen, pois não trata-se de preconceito geográfico. Não estou usando o “gaúcho” como adjetivo, mas falando daquele rock feito aqui nos anos 80, que começou a ser reconhecido como tal no resto do país. Ou seja, não estou falando de toda a produção de rock dessa década. Me refiro àquela “marrenta”, lotada de um sotaque forçado — de um magrinhês “que me fez te pegar nojo”. Para não começar a me repetir, já falei sobre isso. Leia aqui.

Vamos dar nome aos bois: me refiro a TNT, Cascavelletes, Rosa Tatuada e alguns outros contemporâneos, coniventes e cúmplices; me refiro ao rock “oh, yeeaaahh ééééé!”. Não falo do estilo musical em si e nem das composições, mas a esse jeito de cantar pretensamente rebelde-sem-causa. Outro dia, no Canal Viva — onde reprisam programas antigos da Globo — estava o TNT no Globo de Ouro, fazendo playback (olha a situação aqui) . Lembro que até Xuxa eles frequentaram poucas vezes. Acho até que chegaram a estar na trilha sonora de alguma novela do canal. Nesse momento, num ponto em que qualquer outro estilo musical teria se criado e procriado para todo Brasil, toda uma geração, duas, três, talvez quatro, de bandas e artistas gaúchos foram lançadas ao ralo. Quem, em sã consciência, no centro do país, ou em algum recanto por aí, haveria de comprar uma balaca tão insuportável quanto aquela? Ninguém estava preparado para aquilo. Era uma afronta, um desconforto, uma nojeira a quem via de fora. Muitas bandeiras espontâneas, sem representação na mídia, quando levantadas, são capazes de erguer súditos seguidores e se tornar uma força. Essa foi o oposto; antipropaganda.

“Sob Um Céu de Blues”, dos Cascavelletes, é uma baladinha sincera, meia-boca como tantas outras, não pior do que tantas populares por aí. Agora, escutem o jeito que o cara canta aqui (é o meu ponto). Uma tentativa de Mick Jagger extrapolada ao infinito.

Coitado do Nei Lisboa, e muitos outros, que foram jogados no mesmo balaio e nunca conseguiram se criar nacionalmente apesar de extremamente talentosos. Sei que vou sofrer apedrejamento por pensar e escrever este artigo. De gaúchos, claro. E o pior é que até eu chego a me acostumar e a ter certa nostalgia, afinal, era o que tocava quando eu era criança e adolescente. Lampejos de insanidade chegam a se apossar de minha mente em alguns momentos…

P.s.: Cachorro Grande tem um pouco disso tudo, mas eu acho BEM MAIS INTERESSANTE, porque já são uma releitura daquilo tudo e mais um pouco.

O Quarto Escuro

Entrei no quarto escuro. Puro breu. Fui tateando as paredes, sentindo a textura, procurando pistas do que havia ali. O tato dizia que a tinta era preta. Será? Com o pé, senti o rodapé. Devia ser preto também, pois não refletia nada. O piso, liso, mas não escorregava. Não era parquet, pois parquet a gente sente as tabuinhas. Também não era carpete nem lajota. Não fazia inhec-inhec, então, não era emborrachado. Não havia janelas, marcos nem tapetes. Em pouco tempo, já não sabia mais onde era a porta por onde entrei. O lugar era grande. Me desnorteei. Voltei, fui adiante. Cruzei a sala pelo meio, mas do outro lado parecia tudo igual. Continuei pelas paredes e achei uma saliência. Um cartaz. Não, uma plaquinha de sinalização, talvez. Lembrei do celular no meu bolso. Liguei para iluminar. Era uma placa, mesmo. Dizia: “não use flash”.