Foi há uns 3 anos. Liguei a TV do quarto e fui escovar os dentes. A melodia ao fundo imediatamente chamou minha atenção. Era um piano. Alguma peça de Bach, chutei. Parei para ouvir com atenção, de boca aberta. A espuma escorria na pia. Cuspi. Fui pra frente da tela, mas não conseguia ver. A emoção com que aquele pianista tocava fazia meus ouvidos exigirem dedicação sensorial exclusiva.
Apesar da melodia conhecida, não lembrava de ter admirado uma performance tão tocante. E era só um piano, em um toque sublime, quase inocente, mas cheio de vida. Quando a gente se aprofunda em música, toca, estuda, compõe, a percepção vai mudando aos poucos; ganhando maturidade. Já não surpreendem frases melódicas recorrentes, letras construídas a partir de fórmulas, interpretações exageradas ou presunçosas. Apesar de amarmos cada vez mais esta arte, 80% dela passa a ser chata, comum e inócua. Porém, aquilo ali era diferente. Era a simplicidade elevada à potência da genialidade.
Acabou o programa e não falaram o nome do intérprete. “Boa noite” e eu fiquei só com aquelas notas na cabeça.
No dia seguinte, a primeira coisa que fiz foi vasculhar a Internet em busca da apresentação. Era um Programa do Jô e a sorte é que se tratava das reapresentações de férias. Portanto, sendo mais antigo, também mais fácil achar blogs ou matérias. Mas como procurar? “Pianista programa do Jô”? Nunca. Lembrei que eu desconfiava ser Bach. Inseri na sintaxe. Milhares de respostas. Fui garimpando. Até que achei. No próprio site do músico falava da participação naquela noite.
Tratava-se de João Carlos Martins. Não o conhecia até então. Curiosamente, o mesmo nome do cantor Joca Martins, irmão de meu amigo de infância. O mais incrível eu ainda iria descobrir. Era um pianista de sucesso, retornando aos palcos desacreditado, após uma série de problemas de saúde que ocasionaram a perda de movimentos nas mãos e dedos. Ele superou tudo e a todos, seu próprio ceticismo, e resolveu encarar. Tocava apenas com alguns pares de dedos, mas eu nem havia percebido. Fiquei inebriado pelo sentimento aplicado em cada tecla e ressoado na vibração das cordas daquele piano. Como explicar? Era dali que vinha a força de sua música.
Fui fisgado pelo ouvido e não pelo clichê da história. Como explicar?
Aprendi algo naquele dia.
Infelizmente, não encontrei o vídeo desta performance no YouTube, mas achei outro, de outra aparição dele no Jô. Ele toca “Eu Sei que Vou Te Amar”, mas com a introdução da peça de Bach que falei. Notem que eu não estou sozinho: até o Jô Soares foi às lágrimas, apesar do Derico ficar atrapalhando ele.
Realmente, Dani… o cara é fantástico, em falar nisso… tens algo dele? CD, DVD?? bjs