“Ponta de areia, ponto final / Da Bahia-Minas, estrada natural…”
Lembro do primeiro álbum no formato “compact disc” que ouvi: um ao vivo do grupo Boca Livre, na extinta loja de departamentos Imcosul. A música “Ponta de Areia” começava um a cappèlla sensacional. A pureza do som que saia pelas caixas era inédita pra mim. Vidrei. Eu precisava ter um CD-player.
Ia a todas lojas de discos, semanalmente, para ver as novidades. A Beiro reservou uma pecinha no segundo andar, exclusiva, soturna, onde eu folheava os CDs ainda nas caixas de transporte. Me sentia VIP. Meu “The Final Cut” do Pink Floyd veio de lá. Eram pouquíssimos lançamentos, mas iniciei minha coleção antes mesmo de ter onde tocá-la, com o primeiro da Marisa Monte e o “Big Bang” dos Paralamas. Comprei do Júnior (dono da Estúdio CDs), quando trabalhava na Trekos. Deixei-os na estante ao lado das fitas K7, esperando que meu pai abrisse a mão e me desse um equipamento de presente. Quando aconteceu, descobri uma locadora de CDs, cheia de importados — a Alfaveloca. Que festa! Gravava tudo no tapedeck. Era muita BASF 60. Não havia como comprar tudo. Aliás, para um adolescente, praticamente nada.
Agora, cerca de 20 anos depois, em plena democracia digital liderada pelo mp3, não é que o vinil ressurge mais glamuroso que o CD? Meio acanhado, mas megacult. Cheio de defensores, gente descolada, cool. Eu acho bacana, mas meu fascínio não vai além da nostalgia e do apelo visual que as dimensões da capa proporcionam. Em termos de qualidade de áudio, tenho considerações bastante contundentes.
O CD, por ser digital, tem um limite de qualidade: 44,1kHz. Simplificando o entendimento, 44,1 mil informações por segundo. No vinil, o limite é orgânico, não tem essa precisão. Sua qualidade depende muito mais da matéria-prima, equipamentos e processos de fabricação do que o CD. É como comparar foto digital com em filme. Além da parte ótica e de captação de imagem, a digital não te dá mais qualidade do que a grade de pixels em questão possibilita. Já a analógica depende também do filme, da química, da revelação e ampliação. Se isso tudo for de extrema qualidade e estiver extremamente sob controle, você pode ter um suporte superior ao digital. Nos vinis, ainda é mais crítica e necessária a qualidade do toca-discos que você irá executar, passando pela agulha, prato e aterramento. Se for meia-boca, você não terá uma audição satisfatória — condição da esmagadora maioria dos equipamentos que todos nós dispúnhamos.
Tem muito bicho-grilo por aí viajando no vinil, na ambiência (que não passa de ruído da agulha) e na profundidade (trocando em miúdos, estática). Para mim, qualquer interferência não-intencional no som original é defeito, explicado pela ciência, ou experiência quase lisérgica. Prefiro escutar o que o artista e produtor do álbum pretenderam que eu escutasse. Meu amplificador está sempre em flat (zero de graves e agudos), mas isso fica para um outro artigo.
Fico feliz de ter ouvidos médios. Assim, não preciso de equipamentos que custem dezenas de milhares de dólares para me satisfazer. Ou centenas de milhares, se falarmos em tecnologia de ponta para vinis. Não preciso também de mais que 44,1kHz. Caso contrário, eu seria um infeliz eterno.
Bah… a pecinha da Beiro… A Alfaveloca… Desencavou!
Eu guardo meus vinis porque gosto das capas, dos encartes; acho massa lembrar que era isso que me fazia feliz e que foi deste ponto que iniciei minha vida musical. Gosto da nostalgia. Mas comprar um novo vinil nao tem nostalgia nenhuma pra mim. Concordo contigo quanto à qualidade do som. Pô, os caras investiram um monte pra criar uma tecnologia que nos permitisse ouvir um som mais limpo e a galera prefere a ruideira? Nao entendo.
Isso dá muita discussão. Particularmente nunca fui fã da parte plástica dos CDs, me refiro ao acabamento, à arte. Posso dizer que passei diretamente do vinil pro MP3, tenho poucos CDs de música. Tenho muito vinil ainda (embora não tenha a estrutura pra escutar) e pra mim ainda não existe sensação igual a de comprar um vinil lacrado, abrir, sentir o cheiro, colocar a bolacha no prato, simplesmente lindo. Nostálgico eu? Talvez.
Claro que o CD tem mais pureza, tanto o suporte de mídia quanto os reprodutores podem reproduzir frequências mais altas de que o ouvido humano pode perceber. Estão ali e isso importa pra uma qualidade alta. Concordo contigo, o vinil, assim como a fotografia analógica não é pra qualquer um, não é pro usuário que não tenha tudo controlado.
Existem muitos puristas que se negam a escutar um Robert Johnson por exemplo em CD, dizem que se perde a “alma” dá música, concordo em partes, existem coisas que ficam limpas demais. Com um bom vinil, 45g, um bom prato, uma boa agulha e boas caixas de som (entre outras coisas) se pode sim reproduzir um vinil com uma qualidade excelente e aquele “ruído” pode se transformar na “sujeira” necessária pra dar mais realidade na coisa toda.
Longa vida ao vinil e a todo o seu ritual.