Fiquei esperando no carro enquanto minha mulher ia na farmácia.
Na parada de ônibus do outro lado da rua, um casal de surdos-mudos discutia. Nunca tinha presenciado uma briga na linguagem dos sinais. Prestei atenção, tentando captar uma palavra (ou intenção), como fazemos quando escutamos um idioma que não dominamos. Em seus gestos, ele indicou a si, passou o dedo no pulso mostrando as veias, fez “não” com a mão e apontou para ela. “Nossa. Ele disse que o sangue dele não é o mesmo dela?!” Um ônibus parou. Cobriu minha visão. Torci para que não fosse o que esperavam. Queria ver mais daquela discussão silenciosa. Não era. “Ufa!”
Com minha interpretação novela-das-oito e freud-shakespeariana de quem nunca teve contato com linguagem dos sinais, era impossível não deixar de imaginar toda a história. Os dois foram criados como irmãos, se apaixonaram, passaram a se encontrar às escondidas, no celeiro da casa na Colônia. Mas ela achava o romance proibido; que estavam cometendo pecado; que aos olhos da família era praticamente um incesto. Ele relutava. Dizia que nem tinham o mesmo sangue; que todo amor era permitido, pois pra que serviria a vida, afinal? Que, se o destino os colocou lado a lado, com tantos outros caminhos possíveis e, se tinham compartilhado esse sentimento tão intenso, não seria a igreja, a tradição familiar, os olhares dos vizinhos ou qualquer julgamento de anormalidade que haveria de os separar.
Segui no pensamento. Estava disposto a enfrentar a todos, mas a fugir também, se preciso fosse. Ela olhou pra ele. Ele olhou pra ela. Ficaram assim, parados, por minutos, sem pronunciar (ou sinalizar) nenhuma palavra (ou significado). Surdos-mudos são bem mais visuais.
Toda a rua era testemunha daquela discussão silenciosa. Outro ônibus parou. Ainda não era o deles. Ela fez um sinal juntando todos os dedos virados pra cima, como quem indica quantidade. Era isso. Continuo a imaginar. Ela disse que fugir era caro. Não tinham dinheiro. Como iriam se sustentar? Ainda eram jovens e inexperientes, principalmente tendo que garantir o sustento da criança que estava por vir. “Claro! Um bebê!” Por isso estavam em frente à farmácia. Ela acabara de fazer um exame de gravidez. Chegou outro ônibus e os escondeu. Quando saiu, não estavam mais ali. Não consegui nem ver qual era a linha.
Minha esposa voltou, reclamando que demorara para ser atendida. Nem percebi. Liguei o carro e fomos embora, deixando outras seis pessoas aguardando o próximo ônibus. Para onde estariam indo?
ahahah a muito bom o drama! Engraçado seria descobrir a verdade: ele perguntou pra ela apenas se tinha maizena em casa.
Ahaha. Boa!!!