Ninguém sabe nada sobre ambientalismo

É melhor usar plástico ou madeira?
Plástico leva milhares de anos para se decompor. Por outro lado, pode ser reutilizado ou reciclado antes de ser descartado. Madeira pode vir de desmatamentos, mas também de uma área de reflorestamento cultivada para este fim. O que também é ruim, pois gera os tais “desertos verdes”, que prejudicam a fauna e a flora nativas e descaracteriza a região. Tudo em detrimento de árvores que crescem e dão lucro mais rápido.

É melhor usar papel novo ou reciclado?
Para ser produzido, o novo usa o mesmo método antiambiental citado acima. Já o processo químico, usado em alguns tipos de reciclagem, pode ser mais danoso ao meio do que se imagina.

É melhor utilizar sacolas plásticas ou as endeusadas ecobags?
Você já sabe as vantagens e desvantagens dos polímeros, mas, se optar pelo tecido, como vai acondicionar seu lixo doméstico? Em sacos de papel? Ao invés de reaproveitar as do supermercado, vai acabar tendo que comprar sacos de lixo só para jogar fora?

E o vidro? É melhor escolher produtos que utilizam embalagens retornáveis como o vidro ou altamente recicláveis como o alumínio?
O vidro parece ser mais inteligente, mas é preciso lavá-lo para reutilizar, desperdiçando água. Além disso, seu peso e volume aumentam consideravelmente o custo ambiental do transporte, principalmente no Brasil, que é baseado no rodoviário. Já as “latas” de alumínio viraram um dos itens mais cobiçados pelos catadores. Mais de 95% delas são recicladas hoje em dia no País. Um número inacreditavelmente expressivo. Porém, a indústria e a ciência não são muito claras e parecem estar escondendo o jogo sobre a toxidade deste metal em contado com os alimentos.

Você separa seu lixo em casa? Seco de um lado, orgânico do outro?
Legal. Costuma dizer “eu reciclo”? Não, você não recicla. Você separa. Mas há coleta seletiva na sua rua? Ou você mesmo se encarrega de dar o destino correto aos resíduos? De qualquer forma é um bom exercício ir se acostumando.

Para as perguntas que fiz acima, as respostas corretas não são nenhuma das que dei acima, mas uma terceira que fingimos não querer ver. Fazer a coisa certa exige que nos desprendamos de um processo de aculturação que levou séculos para ser construído. Significa reaprendermos as coisas mais básicas e abrirmos mão de outras já tão incorporadas em nossas vidas que mal nos damos conta. Uma reeducação de hábitos de consumo, como, por exemplo, andarmos de bicicleta, boicotarmos produtos de indústrias responsáveis por excessos, escolheremos produtos mais corretos, construirmos nossas casas com inteligência térmica. É uma mudança radical de comportamento que, em nosso íntimo, não queremos realizar.

No loteamento onde eu moro tem um imbecil (aliás, tem vários imbecis) que juntam as folhas dos jardins e ateiam fogo. Além da poluição gerada, o cheiro que espalham pela vizinhança é outra prova de desrespeito e descaso com os demais. Mas eles gostam do quintal parecendo um carpete. Que joguem as folhas na minha grama, então. Agradeço pela matéria orgânica adicional e ela vai ficar muito mais bonita do que a deles. Cuidam do jardim como organizam os objetos de decoração de suas salas. Não entendem que trata-se de algo com vida, e que é aí que está sua beleza. Nem me fale daqueles que acimentam o pátio para não ter “trabalho”.

Primeiro é necessário que exista consciência geral para depois tentarmos ter consciência ecológica. Tipo, passo 1 e passo 2. Quem sou eu? Como me relaciono em sociedade? Onde o meu conforto vira um capricho que vai de encontro a um mundo sustentável?

Ninguém entende de ambientalismo. Inclusive eu. Mas já está começando a ficar tarde demais para termos dúvidas e pensarmos a respeito.

O Fim do Comércio Como Nós Conhecemos

Para uns pode soar pseudoprofecia ou arrogância. Para outros, é chover no molhado. O fato é que não é nenhum dos dois casos, pois muitos já discorreram sobre o tema. Porém, acontecerá de forma mais contundente e rápida do que se imaginava. O comércio tradicional – aquele das lojas populares dos centros das cidades – vai acabar. E não dou 10 anos. Minhas constatações começaram a vir à tona na véspera deste Dia da Criança, na procura por uma bicicletinha aro 16, de menina.

Saí de casa às 9h, para pegar menos tumulto. Na primeira loja que visitei, a atendente consultou o terminal para me fornecer o preço. Concordei e disse que ia levar. Para minha surpresa, o preço à vista não valia para cartão de crédito, apenas débito, cheque ou dinheiro. Tudo bem, até entendo. Aceitei. Na hora de emitir o pedido, o sistema não aceitou a transação. A mulher precisou consultar outro banco de dados, que indicava que o valor era 15% maior. Reclamei, ponderei, mas nada. “Não quero mais.” Virei as costas e fui embora.

Sou um consumidor assíduo de lojas virtuais há alguns anos. Desaprendi como é o corpo-a-corpo nas lojas físicas. Minhas experiências recentes com humanos vendedores têm se dado apenas em um nível acima – em shopping centers durante viagens, apenas. Ou seja, algo menos decadente e penoso que o frenesi paraguaiesco do comércio tradicional local.

Na próxima loja, o vendedor atendia a mim e a outra pessoa ao mesmo tempo. Depois de dar a vez várias vezes ao meu “oponente”, consegui saber o preço e formalizar minha intenção de compra. Para surpresa, a grande loja de departamentos não “estava aceitando” cartões de crédito. “Tchau pra ti”.

O Brasil já tem mais de 40 milhões de usuários de Internet. Tem a maioria absoluta dos cadatros no Orkut. Tem 30 milhões de contas de MSN, o maior número do mundo. As classes C e D aumentaram drasticamente sua participação nas compras on line no último ano, muito acima do crescimento nacional da rede no País. Existem 150 lan houses na favela da Rocinha, no Rio. No site de consulta de preços Buscapé, além da forma normal como mostra os resultados de uma busca, permite que o usuário classifique-os de outros modos. É claro que a ordenação mais solicitada é a por preço, mas a segunda, e muito próxima da líder, é a por valor da parcela. Precisa explicar que isso é a democratização da rede e do comércio eletrônico? Há uma geração inteira que nasceu com a Internet já estabelecida. É outra realidade de mundo. Eles não concebem mais que possa existir um computador sem Internet. “Ã? Como assim? Pra que serve um computador sem Internet? Não conheço ninguém que não tenha MSN!”

Como se não bastasse, estava chovendo e ventando, como a maioria dos dias por aqui. Andei mais umas três quadras e cheguei à terceira grande loja. As bicicletas estavam expostas na calçada. Acho que deve ser para concorrer com os camelôs que disputam também o espaço. A atendente, apesar de ser bastante simpática, só conseguia me informar os preços dos modelos que continham cartaz com o valor, dos outros não. Desses, eu não precisava. Sei ler. De repente, outro consumidor interrompe meu papo com ela para perguntar sobre um dos modelos. Aí, eu juntei todo stress acumulado até então e mandei ver:
– Ela está atendendo; a mim!
– Mas eu só quero saber o preço.
– Eu também. Pode esperar a sua vez, por favor?
– Mas estou com pressa.
– Eu também.
– Mas é só o preço que eu quero.
– Eu também e ela não sabe!
– Vou procurar outro vendedor.
– Faz muito bem.
– Palhação! – Ainda proferiu baixinho, de saída.

Quem é que em santa consciência vai encarar o trânsito caótico de uma grande cidade, pagar estacionamento (ou deixar o carro sob os cuidados de um flanelinha qualquer), caminhar na chuva, de loja em loja, pesquisando preços, sendo mal atendido, brigando por sua vez, para ter meia dúzia de opções de compra? Eu fiz isso, mas foi a última vez. Todos os vendedores que eu tive contato esta manhã eram totalmente despreparados para realizar uma venda. Não conheciam nada sobre o produto. Em todas as lojas, o acotovelamento, a disputa por um atendente, a bagunça e o desrespeito estavam expostos com requintes de barbárie; Mad Max.

É claro que o “palhação” sou eu mesmo. Fico até envergonhado por ter sido tão grosseiro na frente da moça, mas paciência tem limite. Ela descobre os preços não marcados e todos estão cerca de 50% acima dos que eu tinha visto em outras lojas. Pergunto se não tem modelos mais baratos. Ela não sabe. É claro. Me chama para um terminal, pega um folheto de ofertas da própria loja e descubro, olhando por cima do ombro dela, que há uma oferta mais interessante anunciada no encarte.
– E esta aqui?
– Ah, esta aqui não. Eles estão montando.
– Beleza. Melhor ainda. Posso levar montada?

Loja física vai ser para poucos. Serão chiques, com os melhores vendedores; aqueles que têm total conhecimento sobre os produtos – mestres prepotentes e cheios de si que adorarão mostrar que conhecem mais do que seus consumidores. Quem preferir este comércio VIP, irá pagar bem mais por isso. Será uma evolução do shopping center. O comerciozão vai ficar marginalizado, adotar o modelo camelô de ser e, se não morrer, no mínimo vai agonizar. Quem quiser sobreviver com qualidade vai ter que vender on line, para o país todo; para o mundo.

Ela sobe. Consulta alguém e volta.
– Pode sim.
– Perfeito, então. Vou levar.
– Só tem que esperar a montagem.
– Ok. Quanto tempo?
– Cerca de uma hora.
– Uma hora? Posso pegar de tarde?
– Tudo bem. Vou deixar reservada pro senhor.
Ela pega meus dados. Confirma que eu já tinha cadastro na loja (ufa!) e faz a reserva. Quero só ver quando eu voltar à tarde.

Ah! Pára, olímpico!

foto do Terra

Nas Paraolimpíadas, que iniciaram esta semana em Pequim, um acontecimento tomou conta do segmento esportivo dos noticiários. O nadador Clodoaldo Silva teve revista a categoria em que estava inserido. Nos “paraesportes”, o atleta é enquadrado de acordo com o seu nível de deficiência, para tornar as provas mais competitivas e justas. Pois então, nosso competidor brasileiro, que era favorito absoluto na piscina em diversas modalidades, (nosso Michael Phelps) precisou subir de categoria, de acordo com a reavaliação médica do comitê paraolímpico. Isso reduziu as chances do atleta. Num gesto inexplicável de falta de espírito esportivo, Clodoaldo desisitu de disputar as provas onde se sairia pior. Não sei o que é mais triste. O novo enquadramento deveria ser motivo de felicidade, pois houve uma evolução na capacidade física do nadador; ele está menos deficiente. Não é isso que alguém com qualquer tipo de deficiência busca? Deveria estar radiante. Outra questão: ele não está ali para superar seus limites e, antes de mais nada, competir? Ficou o mau exemplo a todos os deficientes brasileiros, aos quais o esporte paraolímpico e seus atletas deveriam causar inspiração, superação e orgulho. Essa é a utilidade do esporte. É por esse motivo que o Brasil investe nele, incluindo nos paraolímpicos. Sei que não tenho condições de avaliar o lado psicológico do atleta, pois nesses casos, esse tipo de problema talvez seja proporcional aos físicos, mas me atrevi.

Para quem quiser tentar entender as justificativas de Clodoaldo, ele tem um blog no Terra e fez um post sobre o assunto: aqui.

Criança Esperança

Eu não sou jornalista. Este blog não é jornalístico. Então, me permito conjecturar.
Ano passado, circularam e-mails acusando a Globo de fazer, no Criança Esperança, cortesia com chapéu alheio. A mensagem eletrônica sugeria que a emissora recebia o dinheiro dos telespectadores, doava à UNESCO e usava o valor para abater do Imposto de Renda. Ou seja, a caridade do brasileiro estaria sendo usada para pagar parte das obrigações fiscais da empresa. Agora, na edição de 2008, todos os programas e comerciais que divulgam os telefones para doações frizam que o montante vai direto para a conta da Unicef e que não pode ser abatido de impostos. Com certeza, trata-se de uma resposta sutil àquelas acusações. Porém, não fica claro de quem é o imposto que estão falando – se do nosso ou do deles. Mas é claro que a Rede Globo não daria ponto-sem-nó. É aqui começa minha conjectura. O fato do dinheiro ir direto à UNESCO não afasta a possibilidade da TV não estar usando a campanha para obter facilidades fiscias. Se eu fosse dono da empresa, disponibilizaria espaços ociosos em minha grade comercial para divulgar o projeto e contabilizaria-os como doação. Será que não é isso que fazem? Estariam “vendendo produtos encalhados” ao mesmo tempo que fazem o bem para as criancinhas carentes e para sua própria saúde fiscal. Eles devem estar bem assessorados contábil e juridicamente. Não vejo problema nenhum nisso. Quem quiser que faça algo semelhante e não ajudará só a si, mas a quem precisa também.

Ridículo

Toques de celular são um problema. Agora, nesta onda de sons polifônicos, pior. Se não bastasse o inconveniente do aparelho tocar em qualquer lugar, nas horas mais impróprias, estar exposto a demonstrações do mau-gosto musical de cada um é uma tortura. Entre créus da vida e axé musics — graças a Deus, nem sei citar mais nenhuma —, a democratização dos telefones móveis mostra seu lado cruel. Toque de celular precisa ser simples, discreto, eficiente e objetivo. Sempre que possível, deixo só no alerta vibratório.

Para não passar por ridículo ao escolher seu som de chamada, cada um deveria imaginar todas as situações e pessoas possíveis de se estar em companhia na hora de receber uma ligação. Um toque muito espalhafatoso, como a já citada “Dança do Créu”, não iria soar bem aos ouvidos de um cliente da empresa em que trabalha. “YMCA” é divertida, mas o pai da sua futura namorada acharia muito estranho ela sair do seu telefone no meio do primeiro jantar em família. Bom, pode ser também que ele se identifique e faça um convite para passar aquela noite por lá. Vai saber. Você ser parado numa blitz policial e tocar qualquer uma do Planet Hemp também não vai contar pontos a seu favor. O hino do seu clube pode ser bastante comprometedor dentro de um ônibus que leva a torcida adversária para um clássico da cidade. Na dúvida, escolha o Nokia Tune. Ou melhor, o Beep Twice, o Polite — meus preferidos. Sabe aquele ditado “não perca a oportunidade de ficar calado”? É por aí.

Algo parecido acontece com nome de filhos. A escolha nunca é simples, ainda mais quando o casal é complicado. Minha dica nesse caso é parecida com a do celular. Imagine você chamando a atenção do seu pequeno, em voz alta, no meio de um restaurante: “Cauãããã, sai debaixo da mesa!”; “Shivaaa, eu já disse que não!”; “Maiconnnn, não cospe nas pessoas!”; “Sasha, minha filha…”. E pior é que os pais, nessas horas, nunca chamam pelo apelido. Seria menos constrangedor.

Lixo

Como será que o primeiro mundo culto reage ao lixo cultural que o Brasil está jogando lá, como, por exemplo, João Kleber na TV de Portugal? Tá, tudo bem, tem gente que diz que Portugal não é na Europa. Acho que tá provado. Ehehe

http://www.youtube.com/results?search_query=jo%C3%A3o+kleber+portugal&search_type

Artesa

Sou só eu ou alguém também já ficou instigado com essas feirinhas de artesanato espalhadas pelo Brasil?

Magrinhosamente chamado de “artesa” na capital gaúcha, trazem em si o apelo de ícone da cultura de cada local. Nenhum turista deixa de visitar uma feira dessas em suas viagens. Procura-se levar para casa uma pulseira, um colar, uma renda ou um artigo de decoração representativo dos hábitos e costumes tradicionais do povo em questão. Acontece que, não importa onde se esteja — Rio de Janeiro, Fortaleza, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Brasília, Recife, Palmas, Porto Alegre (só para citar capitais) —, o que é vendido, no grosso, são as mesmíssimas coisas: os mesmos brincos de capim dourado ou de pena, as mesmas bonequinhas coloridas , os mesmos vestidos rendados. O valor do souvenir varia de acordo com o fluxo de visitantes estrangeiros no local ou com o aluguel/condomínio, no caso de “franquias” em shoppings centers e aeroportos.

Mas afinal de contas: essas peças são representativas de onde se está, se encontramos as mesmas em todos os lugares? Quem as produz de fato? Pergunte a um dos feirantes se ele conhece o artesão daquelas bijuterias; a bordadeira daqueles panos; o escultor daqueles paus e ferros. É claro que não. Aposto que todos compram de alguns poucos distribuidores, senão de um só. Pra mim, é tudo feito em escala industrial. Deve ter uma máquina especialmente desenvolvida para fazer aqueles desenhos de areia colorida das garrafinhas, se é que não é uma massa compacta com a paisagem pintada simulando a técnica original.

Pra mim, vem tudo da China, com qualidade américa-do-sul.

Amigo Secreto. Socorro!

Em alguns lugares do País, chamam de amigo-oculto. Atualmente, a maior instituição do Natal, o amigo-secreto, é uma grande prova do consumismo, materialismo e impessoalidade. Contraditório, no mínimo. Tudo começou quando o hábito carinhoso de presentear os amigos e familiares de quem se gosta foi ficando cada vez mais caro e distante da realidade do brasileiro. Mesmo que um ou outro ainda tenha respaldo financeiro que o permita demonstrar, para o seus, todo o afeto que nutri através de uma lembrança de final de ano, o ato pode gerar constrangimento. Quem recebe pode não dispor da mesma condição. Foi, então, que alguém teve a brilhante ideia de criar um sistema em que cada participante é obrigado a comprar algo para alguém que não deseja presentear (que não gosta ou não tem intimidade para tal). Para dificultar e tornar o processo ainda menos sincero e destituído de qualquer sentimento, resolveram estipular valor para o regalo de cada um: “o presente tem que custar entre X e Y”. Convenhamos que, se já é difícil ter alguma ideia boa que agrade a quem não somos íntimos ou até mesmo àqueles com quem não vamos com a cara, imagine ter que enquadrar o achado em uma faixa de preço perversa e doentia.

Em uma empresa de nossa cidade, este ano, decidiram, novamente, fazer amigo-secreto, mas só que um pouco diferente. Para deixar o mercantilismo distante, resolveram que todos os presentes deveriam ser feitos de forma manual ao invés de, simplesmente, comprados. Assim, não houve limites mínimo nem máximo de preço. O que contava era a criatividade e a intenção. Algum mais bruto entrou em pânico — “não tenho habilidade manual alguma!” — certamente imaginando uma toalha de crochê ou um pano de prato bordado que teria que fazer. Mas a intenção era bem mais sutil que isso. Poderia ser uma música, um poema, até mesmo um pudim. De fato, na noite da entrega, todos foram surpreendidos pela imaginação de seu amigo-secreto. Um fez uma caixa com 3 CDs com canções compiladas; outro uma camiseta personalizada, feita com técnica mista (stencil, patchwork e termo-transferência); um mais inspirado, fez brigadeiros de maconha (estilo Weeds), vindos em uma grande caixa, dispostos em potes individuais com rótulos explicativos e um CD de músicas apropriadas para curtir a degustação. Questões morais e legais à parte, é inegável a mão de obra e imaginação do autor. Dizem que a erva fritando com a manteiga tomou conta dos corredores do edifício e os vizinhos quase chamaram a polícia.

Meu pai já sugeriu uma vez que o verdadeiro amigo-secreto não deveria ser feito através de sorteio e nem mesmo revelado quem comprou o presente. Cada um escolheria um companheiro para presentear. Todos os pacotes seriam colocados em uma pilha com o nome dos destinatários. Depois, os pacotes distribuídos. Sem dúvida, alguns não ganhariam nada e outros levariam mais de um, de acordo com a simpatia e amabilidade que cultivaram durante o ano. Nada mais justo, não é mesmo? O certo é que os contemplados iriam embora pra casa imaginando quem teria feito tal agrado. Quem gostaria tanto deles a ponto de escolhê-los entre tantos. Nunca se descobriria.

Acho que o mundo não está preparado para isso.

Gauchada

A Semana Farroupilha passou e, além do cheiro de bosta no ar, me deixou “matutando” a respeito desse “orgulho gaúcho” que permeia nosso Estado. Não vou nem entrar em detalhes sobre aspectos obscuros do tradicionalismo gaúcho e da exaltação de uma guerra perdida (como muitos falam) pois nem tenho conhecimento histórico para tanto. Mas essa de bradar aos quatro ventos o tal (novamente) “orgulho gaúcho”, seja em forma de grito de torcida, em jingle no rádio, em adesivo de carro, em comercial de televisão, em discussão de bar e até em hino, sempre me pareceu uma coisa esquisita.

Eu não tenho orgulho de nenhuma qualidade minha que não seja um adjetivo de valor. Por isso, ser alto, ser gordo, ser branco, negro, ser homem, ser mulher, ser homossexual, heterossexual, não deveria ser motivo de orgulho nem de “desorgulho” para ninguém. Porém, ser inteligente, ser bom, ser ético, ser justo, ser competente, isso sim pode ser encarado com orgulho.

Quando alguém diz que tem orgulho de ser gaúcho, já traz na própria sentença um sentimento de superioridade que me causa náuseas. Eu sou gaúcho e não tenho nenhum problema com isso. Como não teria se fosse paulista, paranaense ou piauiense. Mas também não tenho nenhum motivo para me considerar superior aos outros.

Certa vez uma empresa da cidade realizou um encontro de vendedores de todo país. Os levou para um CTG. A ideia foi brilhante. É sempre curioso vermos a cultura de outros estados. A nossa tradição, com dança, música e costumes, apesar de montada por Paixão Cortes, é bonita de se ver. Só que ninguém esperava que a prenda prodígio de menos de 10 anos declamasse um poema tão ufanista que me fez ter vergonha das pessoas com quem eu dividia a mesa. Ela dizia coisas como “… povo como o nosso não há…”, “… ninguém é tão bom quanto a gente…”, e por aí vai. E vai além: basta lembrar dos versos do hino rio-grandense: “Povo que não tem virtudes, acaba por ser escravo”.

Esse negócio pra mim soa meio fascista. Como devem se sentir então os canadenses, os suíços, os noruegueses — pessoas que vivem em sociedades-exemplos, das quais teriam muito mais motivos para se orgulharem do que nós da nossa?