Use o Assento para Flutuar

Dizem que as normas de segurança das aeronaves, presentes nos folhetos e explanadas pelos comissários de bordo, servem apenas para dar uma sensação de segurança; de que há um plano B em caso de acidente. As chances de sobrevivência por queda são algo entre zero e deus-me-livre. Mesmo assim, tenho uma sugestão sobre a mensagem “em caso de pouso na água, use o assento de sua poltrona para flutuar”.

Creio que lembrar a possibilidade de pouso n’água não transmite tranquilidade a ninguém. O melhor seria não falar da hipótese, apenas na possível solução, como “use o assento da poltrona para flutuar”. Porém, essa construção também não é a ideal.

Imagine a situação: aconteceu o tal pouso no mar, o avião não se dilacerou, não afundou, os passageiros não ficaram presos na cabine para morrerem afogados, você não bateu com a cabeça nem desmaiou, a saída de emergência conseguiu ser aberta e seu trajeto até ela não ficou obstruído por gente morta ou bagagens de mão. Você está na porta do avião, a água está numa temperatura caribenha e você vai encarar o mergulho quando lembra da mensagem. Você começa, então, desesperadamente, a procurar por um assento para “flutuar”. Passa um pedaço de isopor boiando, mas a mensagem era específica — “use o assento da poltrona para flutuar” — e você não aproveita a oportunidade. Passa um pedaço de madeira, um espaguete de hidroginástica, uma jangada de náufrago… Mas você está focado no assento. Foi a ordem do mantra repetido pela aeromoça, pelo encosto a sua frente e pelo folheto de instruções.

Minha sugestão é que a formulação da frase seja apenas “Lembre-se: o assento de sua poltrona flutua”. Assim, não se fala de acidente (“isola”) e nem se restringe sua possibilidade de não afogamento a um assento de poltrona. Mas como todos ficariam se questionando o motivo da afirmação solta, talvez seja necessário um complemento que explique (mas não tanto), como: “Lembre-se: o assento de sua poltrona flutua. Vai que…”

IMAP x POP — Qual Escolher?

Sempre usei protocolo POP em meus clientes de e-mail. Mas, quando passei a acessar em diversos devices, o sistema começou a se mostrar bastante ineficiente. Ao testar o IMAP, tive uma grata surpresa. Abaixo, explicando do meu jeito tosco-para-leigos, listo as principais características das duas formas de configurar seu Outlook Express, Live Mail, Eudora, Thunderbird e a maioria dos clientes.

BAIXANDO E-MAILS
POP: você pode definir se deseja apagar ou não as mensagens do servidor quando as baixar. Se escolher apagar, só as terá no dispositivo que as recebeu primeiro. Porém, se escolher mantê-las no servidor as terá repetidas vezes em todos eles.
IMAP: todas as mensagens são baixadas em todos os dispositivos, pois não há opção de apagá-las ou não do servidor ao baixar — que eu saiba.

DELETANDO E-MAILS
POP: não adianta deletar de um dispositivo. Ela não será apagada do servidor e, consequentemente, os demais devices farão o download novamente.
IMAP: se você deletar de um, será apagada do servidor e os outros dispositivos não baixarão novamente. É muito bom para não perder o mesmo tempo, diversas vezes, com a grande quantidade de lixo eletrônico, por exemplo.

LENDO E-MAILS
POP: você tem todas as mensagens já baixadas, off-line para consulta. Não precisa estar conectados à Internet para lê-las. Os corpos de texto e os anexos são baixados quando a mensagem chega, sem que você decida se as quer ou não.
IMAP: apenas os cabeçalhos das mensagens são baixados. Isso agiliza muito o processo de saber se chegou aquele e-mail tão aguardado, pois a fila não demora quando há anexos pesados. Tudo vem rápido. Só ao clicar sobre determinada mensagem é que ela vem por inteiro. Dependendo do seu programa, depois que uma baixa, você a tem na íntegra para sempre, mesmo off-line. Acredito que em todos.

ORGANIZANDO E-MAILS
POP: você cria pastas localmente, em seu programa, e as mensagens que copiar para elas ficam só ali. Não encontra o iPhone? Teve o notebook roubado? Queimou o HD? Perdeu tudo. Se enviar uma mensagem do computador, por exemplo, ela não estará nos itens enviados do mobile e vice-versa. A mesma coisa com itens excluídos.
IMAP: as pastas personalizadas são criadas no servidor, replicadas e sincronizadas automaticamente em todos os devices. Todos ficam idênticos. Se mandar uma mensagem pelo celular, ela também aparecerá nos itens enviados do desktop e assim por diante; desde que bem configurado.

TRANSFERINDO CONTAS DE E-MAIL
POP: se você já teve que migrar uma conta de um computador para o outro, sabe o problemão que tem em mãos — exportar e importar mensagens (nem sempre compatíveis), a bagunça que o Live Mail faz ao importar; o tamanho-monstro dos arquivos; o tempo que leva… Sem falar que, se você optou por não deletar do servidor ao receber, quando acessar no novo dispositivo pela primeira vez, TODO histórico será baixado novamente! É inviável! Imagine dezenas de milhares de e-mails baixando para sua caixa de entrada. Haja conexão de Internet e tempo para esperar.
IMAP: é o céu! Apenas o histórico de cabeçalhos vem de novo. Tudo é sincronizado sem estresse, incluindo as pastas criadas. É um tempo, no mínimo, 50 vezes menor do que no POP. Um trabalho leve.

CONFIGURANDO E-MAILS
POP: é bastante simples e rápido.
IMAP: exige um pouco de paciência quando você faz pela primeira vez, pois alguns ajustes de servidor e cliente precisam ser realizados. Mas nada que o Google não te ajude. Dica: faça testes de sincronização com todas as pastas para ter certeza que configurou corretamente.

VEREDITO: IMAP disparado! Pelo menos até eu descobrir algo que faça me arrepender. Aí, eu conto aqui.

Real Pode Ser o Que Se Imagina

Uma parte do mundo parou pra ver. Outra se mexeu pra ver. Quem não viu na hora, viu depois, mas todos viram. Uma moça linda e um moço semicareca casaram-se sob olhares curiosos, brilhosos e chorosos da humanidade.

Os ferinos, os críticos, os filósofos mal-humorados, os chatos — eu — e os infelizes não implicaram, não se opuseram, não traçaram inconveniências nem incompatibilidades com tristes acontecimentos paralelos mundiais. Calaram-se, reverenciaram, mesmo mudos.

O que ficou não foi um balanço positivo na imagem da realeza do Reino Unido, nem um incremento no estereótipo do inglês pontual e educado. Muito menos foi vendido futilidade, inadequação ou ostentação. A mensagem que ficou foi da pureza e da felicidade; um retrogosto de amor; inspiração para a humanidade, seu caminho, solução.

Eu senti assim. Me fez bem. Kate e William só me trouxeram pensamentos bons. Como me pareceu, pra outras pessoas também.

Mas que ele tá ficando careca em ritmo alucinante, tá.

Saramago

Sábado, a Federal FM estava transmitindo direto da Feira do Livro de Pelotas. Não sei quem, então, estava lendo este trecho de José Saramago. Só a 107.9 mesmo para ficar quase, ou inteiros, 10 minutos lendo parte de um livro. Eu estava chegando em casa e fiquei sentado no carro ouvindo até acabar. Não conhecia o texto, mas achei interessante, principalmente pelo resgate da linguagem, além de outras coisas.

“Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco. A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das petições. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obséquios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desentendido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se tornava, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhança (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar. Então, o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza, a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. O suplicante dizia ao que vinha, isto é, pedia o que tinha a pedir, depois instalava-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento fizesse, de um em um, o caminho ao contrário, até chegar ao rei. Ocupado como sempre estava com os obséquios, o rei demorava a resposta, e já não era pequeno sinal de atenção ao bem-estar e felicidade do seu povo quando resolvia pedir um parecer fundamentado por escrito ao primeiro-secretário, o qual, escusado se ria dizer, passava a encomenda ao segundo-secretário, este ao terceiro, sucessivamente, até chegar outra vez à mulher da limpeza, que despachava sim ou não conforme estivesse de maré.

Contudo, no caso do homem que queria um barco, as coisas não se passaram bem assim. Quando a mulher da limpeza lhe perguntou pela nesga da porta, Que é que tu queres, o homem, em lugar de pedir, como era o costume de todos, um título, uma condecoração, ou simplesmente dinheiro, respondeu, Quero falar ao rei, Já sabes que o rei não pode vir, está na porta dos obséquios, respondeu a mulher, Pois então vai lá dizer-lhe que não saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rematou o homem, e deitou-se ao comprido no limiar, tapando-se com a manta por causa do frio. Entrar e sair, só por cima dele. Ora, isto era um enorme problema, se tivermos em consideração que, de acordo com a pragmática das portas, ali só se podia atender um suplicante de cada vez, donde resultava que, enquanto houvesse alguém à espera de resposta, nenhuma outra pessoa se poderia aproximar a fim de expor as suas necessidades ou as suas ambições. À primeira vista, quem ficava a ganhar com este artigo do regulamento era o rei, dado que, sendo menos numerosa a gente que o vinha incomodar com lamúrias, mais tempo ele passava a ter, e mais descanso, para receber, contemplar e guardar os obséquios. À segunda vista, porém, o rei perdia, e muito, porque os protestos públicos, ao notar-se que a resposta estava a tardar mais do que o justo, faziam aumentar gravemente o descontentamento social, o que, por seu turno, ia ter imediatas e negativas consequências no afluxo de obséquios. No caso que estamos narrando, o resultado da ponderação entre os benefícios e os prejuízos foi ter ido o rei, ao cabo de três dias, e em real pessoa, à porta das petições, para saber o que queria o intrometido que se havia negado a encaminhar o requerimento pelas competentes vias burocráticas. Abre a porta, disse o rei à mulher da limpeza, e ela perguntou, Toda, ou só um bocadinho. O rei duvidou por um instante, na verdade não gostava muito de se expor aos ares da rua, mas depois reflexionou que pareceria mal, além de ser indigno da sua majestade, falar com um súdito através de uma nesga, como se tivesse medo dele, mormente estando a assistir ao colóquio a mulher da limpeza, que logo iria dizer por aí sabe Deus o quê, De par em par, ordenou. O homem que queria um barco levantou-se do degrau da porta quando começou a ouvir correr os ferrolhos, enrolou a manta e pôs-se à espera. Estes sinais de que finalmente alguém vinha atender, e que portanto a praça não tardaria a ficar desocupada, fizeram aproximar-se da porta uns quantos aspirantes à liberalidade do trono que por ali andavam, prontos a assaltar o lugar mal ele vagasse. O inopinado aparecimento do rei (nunca uma tal coisa havia sucedido desde que ele andava de coroa na cabeça) causou uma surpresa desmedida, não só aos ditos candidatos mas também à vizinhança que, atraída pelo repentino alvoroço, assomara às janelas das casas, no outro lado da rua. A única pessoa que não se surpreendeu por aí além foi o homem que tinha vindo pedir um barco. Calculara ele, e acertara na previsão, que o rei, mesmo que demorasse três dias, haveria de sentir-se curioso de ver a cara de quem, sem mais nem menos, com notável atrevimento, o mandara chamar. Repartido pois entre a curiosidade que não pudera reprimir e o desagrado de ver tanta gente junta, o rei, com o pior dos modos, perguntou três perguntas seguidas, Que é que queres, Por que foi que não disseste logo o que querias, Pensarás tu que eu não tenho mais nada que fazer, mas o homem só respondeu à primeira pergunta, Dá-me um barco, disse. O assombro deixou o rei a tal ponto desconcertado, que a mulher da limpeza se apressou a chegar-lhe uma cadeira de palhinha, a mesma em que ela própria se sentava quando precisava de trabalhar de linha e agulha, pois, além da limpeza, tinha também à sua responsabilidade alguns, trabalhos menores de costura no palácio como passajar as peúgas dos pajens. Mal sentado, porque a cadeira de palhinha era muito mais baixa que o trono, o rei estava a procurar a melhor maneira de acomodar as pernas, ora encolhendo-as ora estendendo-as para os lados, enquanto o homem que queria um barco esperava com paciência a pergunta que se seguiria, E tu para que queres um barco, pode-se saber, foi o que o rei de facto perguntou quando finalmente se deu por instalado, com sofrível comodidade, na cadeira da mulher da limpeza, Para ir à procura da ilha desconhecida, respondeu o homem, Que ilha desconhecida, perguntou o rei disfarçando o riso, como se tivesse na sua frente um louco varrido, dos que têm a mania das navegações, a quem não seria bom contrariar logo de entrada, A ilha desconhecida, repetiu o homem, Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é essa de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida, A quem ouviste tu falar dela, perguntou o rei, agora mais sério, A ninguém, Nesse caso, por que teimas em dizer que ela existe, Simplesmente porque é impossível que não exista uma ilha desconhecida, E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti, Que queres dizer, perguntou o rei, inquieto, Que tu, sem eles, és nada, e que eles, sem ti, poderão sempre navegar.”

José Saramago

Leia toda a parábola, “O Conto da Ilha Desconhecida” aqui.