Ingenuidade

Tenho saudade de minha ingenuidade. Do tempo em que eu achava que quanto mais recheio, melhor o pastel; que dez anos depois eu e todos meus amigos iríamos assistir a Copa na França (havíamos prometido); que os professores sabiam de tudo; que a polícia cuidaria de nossa segurança; que faltava muito tempo para eu virar adulto — nunca chegaria; que quanto mais “baixinho”, mais legal o carro; que o músico que tocava mais notas por segundo era o melhor; que música boa tinha que ter muito grave; que café só com muito açúcar; que filme tinha que ser explicado no final.

Tenho saudade do tempo em que eu queria ser bombeiro.

Não Vai Comprar o Álbum da Copa 2010?

Sempre me envolvo com Copas do Mundo. Não há como não. Mas nesta, em especial, terei motivo extra. Minha filha de cinco anos está em idade interessante para a experiência. É curiosa por países, bandeiras, jogos e pessoas. Aproveitei para voltar a ser criança.

Na Copa da Espanha, em 1982, ganhei o álbum de figurinhas do Ping-pong. Vinha uma por chiclete. Tinha sete, quase oito anos, mas os os jogadores das seleções ainda estão na memória. Hoje em dia, os cinco de minha filha equivalem aos meus oito da época, ou a mais. Não tive dúvidas: “Malu, vamos comprar um álbum da Copa?”. “O que é Copa, pai?”. Comprei.

A publicação é oficial da Fifa. Caprichada, igual para o mundo inteiro e escrita em oito línguas simultâneas. Custa R$3,90. Cada pacotinho com cinco cromos, R$0,75. Levamos 10; 50 figurinhas. Ao todo, são 638. “Puuu!” Quase me arrependi. “Vou gastar mais de 100 paus se nunca vierem repetidas, ou seja, muito mais! Mas o que é uma expulsão aos 45 do segundo tempo?”

Abrimos os envelopes sobre a mesa e falei que antes de colarmos era preciso organizar em ordem numérica. Criei uma linha para cada centena e deixei com ela a ordenação. Depois de breve explicação, fez tudo sozinha, com poucos deslizes e velocidade esperada. Em menos de meia hora estávamos colando. Pena: veio apenas uma do Brasil, mas quatro da Costa do Marfim. As prateadas eram suas preferidas.

Agora estou tentando convencer meus amigos pais e mães a comprarem também. Além da troca de figurinhas e do jogo de bafo serem as partes mais legais de todo álbum, é a única chance que tenho de completá-lo sem ficar pobre.

Escolheram por Você

Não planejei nascer. Não escolhi a cidade, o país, o sexo, os pais, a família. Não escolhi meu signo, nem a década. Fui crescendo sem escolher onde morava, em que escolas estudava. Os amigos que tive apareceram na minha frente. Os lugares que fui e as festas que frequentei é que me escolheram. A faculdade que fiz, decidi em 15 segundos, na última hora, pedindo requerimento depois de passar nas minhas três primeiras opções. Fui catapultado para dentro do meu negócio nem bem sei como. Conheci minha mulher porque ela estava ali, vinda de um outro estado, parada na minha frente. Nunca iria casar. Casei. Não moraria em uma casa. Moro. Gasto meu dinheiro em coisas que eu não queria gastar. Tenho filhas que eu não planejei. Amo-as como nunca pensei amar.

As poucas escolhas que faço na vida, como a marca do meu sabonete e o momento certo de cortar o cabelo, servem apenas para dar a sensação que mando em alguma coisa; que sou dono do meu próprio nariz.

Estamos numa porra de ilha do Lost, num joguinho babaca dos deuses, que disputam em um tabuleiro com dados e cartas marcadas.

Não escolherei o dia da minha morte, mas tenho certeza que será no momento em que achar que poderia começar a mandar em alguma coisa.

Agradecimento ao Hospital São Francisco de Paula

Em virtude de nossa passagem por lá na semana passada, minha mulher escreveu este texto que mandamos a Elói Tramontin e a sua equipe. Faço dele minhas palavras e publico aqui como agradecimento público ao Hospital e aos amigos. Tenho certeza que Alice, já feliz e faceira, quando crescer e entender o que aconteceu, esquecerá o medo que adquiriu de enfermeiros (sempre mexendo no acesso do bracinho) e será muito grata também.

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Ninguém nunca quer ficar doente. Mas ninguém nunca, nunca, nunca quer ver um filho doente.

Semana passada passamos um grande susto com nossa filha caçula de um aninho. Febre alta e persistente nos levaram ao pronto-atendimento de nosso plano de saúde. Lá tivemos um tratamento compatível com um feriadão de carnaval. Foi penoso. Foi duro. Eu chorei, eu rezei. A febre não cedia, a infecção era grave. As pessoas não tomavam atitude. Numa hora dessas a gente lembra que, mais do que um plano de saúde, precisamos de amigos. Vários se mobilizaram, rezaram e agiram. Não poderia nominar todos, mas meu coração pertence a cada um deles.

A internação foi feita no Hospital São Francisco de Paula e, durante o período que estivemos lá, só temos elogios a fazer. Desde a recepção ágil e carinhosa, nos colocando rapidamente em um quarto para que ela ficasse confortável até o atendimento recebido no leito. Tudo com carinho, com respeito. Nos faziam sentir únicos. A visita da nutricionista nos ajudando a pensar em uma melhor comidinha para a Alice, as meninas da limpeza sempre alegres e simpáticas, o pessoal da enfermagem atencioso e com muita simpatia também.

Não fosse a tristeza do motivo da internação poderia dizer que passamos o feriadão de carnaval no Hotel São Francisco de Paula. Tivemos atendimento 5 estrelas e com muita humanidade.

Faço parte da equipe que criou o Chico, o personagem que representa o Hospital. Quem o desenhou foi minha sócia, Daniela. Posso dizer que quando ela pensou no Chico, cada traço que fez foi para personificar um mascote amigo, mimoso, carinhoso. Vocês dão vida ao Chico. Um  Chico que está em todas as partes mas, principalmente, no coração de cada um de vocês.

Obrigada. Vocês deram um show! Fico orgulhosa de ajudarmos de alguma forma o dia-a-dia deste Hospital!

Stela e Daniel, pais da Alice.

A saúde debilitada do Brasil – Alice no Hospital

O problema da saúde do país não é a falta de verba e não é (só) a roubalheira generalizada. O problema da saúde do país é a média da qualidade dos profissionais do meio. Existem 3 tipos de atendimento médico no Brasil: o público, pra quem é mero mortal; o de convênio, para quem é mortal; e o privado, para quem é quase imortal. Se incompetências e irresponsabilidades acontecem no nível médio, imagino o que não ocorre de muito mais grave, também no nível mais baixo e que ninguém fica sabendo.

Esta semana, passamos por um perrengue com nossa filha de um ano. Tenho necessidade e obrigação, como pai e cidadão, de contar aqui. É um depoimento quase ingênuo frente a tantos outros casos muito mais graves que acontecem todo dia, mas é a experiência que eu tive e que posso relatar. Fui escrevendo quase que simultaneamente aos acontecimentos, depois que me dei conta das barbeiragens sendo cometidas, muitas delas sob a “justificativa” do conceito de “pronto-atendimento”. Pulei várias, pois só conturbariam e aumentariam ainda mais a história.

Cronologicamente:

– sábado, 21h, percebemos Alice com febre. Mais de 38°C. Começamos a administrar Tylenol e Alivium, intercalados, de 3 em 3 horas, já que persistia. Damos alguns banhos para não perdermos o controle;

– domingo, depois do almoço, como não baixa de 38°C, levamos no pronto-atendimento da PlanoB (nome fictício trocado para proteger inocentes – no caso, eu). Sabemos que são necessárias 48h de febre para que o quadro infeccioso se manifeste em algum órgão e possa ser diagnosticado com maior precisão, mas a temperatura é alta demais. Ela é examinada pela plantonista da pediatria que nada encontra. Aconselha regressarmos no dia seguinte caso mantenha-se febril;

– segunda, pela manhã, a temperatura regride, mas ao meio-dia volta com força total (mais de 39°C). Voltamos à PlanoB. A plantonista não quer examinar Alice, alegando que é muito ruim clinicar em uma criança com febre. Devemos baixar a temperatura antes. Lá mesmo, após aguardar sem sucesso o efeito da dipirona na veia, damos banho, fazemos compressa, mas nada;

– segunda, 17h (aproximadamente), troca a plantonista. A nova aceita examiná-la, mas sem encontrar manifestações, nem mesmo de meningite. Chama uma colega que confirma o diagnóstico negativo. Ambas veem na garganta alguns sinais, mas concordam que a infecção não está ali. Pedem um exame de sangue e de urina a serem feitos de imediato no local. Assim é feito. Não pedem hemograma de cultura, para definir, em caso de infecção por bactéria, o tipo. Esse tipo de exame não é mais permitido no pronto-atendimento da ClínicaB. E continuamos no combate à febre: banho, compressa, antitérmicos;

– segunda, 18h30min (aproximadamente), os exames ficam prontos. O de urina não acha nada, mas no hemograma, a contagem de leucócitos (indicativo de infecção) está altíssima – mais de 21 mil. A médica solicita um raio-x do pulmão, já que pelo estetoscópio nada se percebe;

– segunda, 19h (aproximadamente), troca o plantão. Assume o Dr. Cínico (o nome foi trocado para proteger um inocente – ou dois: eu e minha esposa). O raio-x nada mostra. Ligamos para o pediatra oficial da Alice que está viajando (Carnaval), Dr. Flávio Chiuchetta (este nome não foi trocado pois ele é inocente e só vai receber elogios aqui). Pede que seja chamado um neurologista para averiguar, com propriedade, a possível meningite, já que não pode fazer a distância. É claro que a PlanoB não dispõe de neurologista de plantão, nem in loco, nem fora. Precisamos sair à cata de um. Passamos pelo mesmo problema no final de janeiro, quando meu pai teve um microaneurisma sem grandes consequências. A PlanoB não tem competência nem para fazer ligações telefônicas, quanto mais para encontrar um dos escassos neurologistas da cidade no feridão de Carnaval. Quando falo em não saber fazer uma ligação é pelo seguinte: o médico da Alice estava em um sítio fora de Pelotas, mas em um local com o código de área também 53. Avisamos que era necessário digitar o código. Elas não conseguiram. Tivemos que fazer do nosso próprio celular que mal pegava dentro do prédio. Quanto ao neurologista, conseguem contato com apenas um que diz poder ir. O mesmo que uma amiga nossa também consegue.

– segunda, 23h, nada do neuro. Dr. Chiuchetta (por DDD) e Dr. Cínico concordam que Alice deve ser internada (para nosso pavor) e iniciar imediatamente a administração de dois antibióticos (rifocin e garabicina), um específico para meningite e outro de amplo espectro (full range, digamos). A intenção é combater a potente bactéria de imediato, mesmo sem saber o nome dela, nem onde está alojada. É tipo como destruir Bagdá para matar o Saddan Russein. Mas era a atitude mais inteligente no momento (a do antibiótico, não a das bombas no Iraque);

– terça, 00h30min (aproximadamente), a PlanoB e o Dr. Cínico, finalmente conseguem autorizar nossa internação, uma hora e meia depois de decidido, com a agilidade de quem vai atender um caso de unha encravada. Pergunto ao Dr. Cínico se ele não irá examinar Alice, visto que estamos esperando que, a qualquer momento, haja manifestação do quadro infeccioso em algum órgão. Ele responde que não, pois ela já havia sido examinada. Questiono que isso faz mais de sete horas e que foi por outro médico, não por ele. Mas retruca não ser necessário. Fico puto, afinal, os sinais na garganta avistados pelas plantonistas anteriores, podem ter evoluído e serem, enfim, observados. A internação e administração dos medicamentos são feitas e assinadas por alguém que não examinou minha filha.

A partir daí somos extremamente bem atendidos no Hospital São Francisco de Paula graças a Elói Tramontim, diretor do complexo, e sua gentil equipe. Ficamos aguardando a visita do Dr. Cínico, já que o Dr. Chiuchetta só volta à cidade na quarta.

Continuando:

– terça de manhã, o neurologista vem. Faz todos os exames clínicos e nenhum deles aponta para meningite. Desaconselha punção na medula, por tratar-se de uma criança, doer muito, os riscos de contaminação pelo processo serem grandes e de não existirem sinais clínicos para o quadro diante de uma contagem tão expressiva de leucócitos. Pede exames de sangue diários para acompanhar a evolução da infecção. Gosto disso;

– terça à tarde, depois de uma solicitação minha via telefone e das exaustivas (para não dizer subumanas) mais de 20 horas de plantão que fez na PlanoB, Dr. Cínico aparece para ver Alice. Esquece o hemograma feito dia anterior no carro. Usa apenas o estetoscópio no exame, conversa um pouco e vai embora, dizendo que é isso aí mesmo. Trocando em miúdos, não a examina de novo. Está claro o que eu digo? O médico que internou minha filha, prescrevendo dois potentes antibióticos na veia, expondo-a a riscos de contaminação hospitalar por um prognóstico de, no mínimo, sete dias, além de todo o abalo moral e físico nosso e da nenê, NUNCA a examinou;

– quarta, ao meio-dia, como prometido, Dr. Chiuchetta retorna de viagem assumindo o caso. Faz um exame clínico completo e, ao olhar a garganta, diagnostica: “acredito que é um quadro viral”. Quase caímos no chão. 38 horas e o Dr. Cínico não pôde olhar a garganta e verificar a virose. Dr. Flávio solicita novo exame de que ficará pronto só no dia seguinte. Precisamos manter a medicação e a hospitalização até, pelo menos, a comprovação da hipótese. Dr. Cínico não aparece mais, para o bem dele;

– quarta, à tarde, Dr. Neurologista volta, examina novamente e traz uma novidade: o exame que solicitou no dia anterior mostra a contagem de leucócitos em 4 mil e pouco, ou seja, sem infecção.

– quinta, 13h, Dr. Chiuchetta a visita novamente. Exame completo mais uma vez. De posse do primeiro, segundo, terceiro e de um primeiríssimo exame, anterior a tudo isso, feito na sexta por simples rotina, conclui que ela teve um quadro bacteriano seguido de outro viral.. Precisará ficar, pelo menos, até sábado internada, quando teremos nova avaliação. Nessa hipótese, completará os 10 dias de antibiótico intravenoso em casa.

– sábado, 4h, Dr. Chiuchetta aparece de surpresa. É madrugada. Brincando, diz que perdeu o sono e resolveu visitar. Era brincadeira. Ele estava lá por ocasião de um parto. Mas resolveu passar para dar uma olhada. Esse tipo de coisa demonstra o comprometimento e carinho que deve ser inerente à profissão de médico;

– sábado, 14h, Dr. Chiuchetta vem, como combinado, avalia os exames e dá alta à Alice. Graças a Deus, estamos indo pra casa.

Dr. Cínico não identificou o quadro viral e nunca teria, pois mal tocou em Alice. No final das contas, acabou por não fazer diferença prática alguma, devido à natureza dos problemas. Porém, poderiam ser outros e muito mais graves, coisas que exames clínicos podem diagnosticar. Todos teríamos ficados mais tranquilos e seguros quanto ao que estava sendo feito.

Odeio pediatra que chama a gente de “mãe” e “pai”, “mãezinha” e “paizinho”. Onde, que porra, aprendem isso? Pra mim, é o primeiro sinal de incompetência. Dr. Chiuchetta, meu herói (mais do que o Homem-Aranha ou o Superman), não nos chama assim. Na verdade, ele não chama. Se muito necessário, talvez um “psiu”. As crianças adoram-no. Os pais também.

Se você está pensando em ficar doente no Carnaval, esqueça. Mesmo sem ser feriado oficial em nenhuma esfera, nem mesmo na terça-feira, é o “feriadão” mais importante e institucionalizado do Brasil. Atitude bem adequada ao país. Muito mais importante que véspera e Natal somada a um fim de semana. Nas comemorações de fim de ano, muitas pessoas ficam na cidade, pois passam com as famílias. No pseudoferiadão da “festa da carne”, todos viajam. Inclusive os médicos. Principalmente os bons. Justo. Os não tão bons ficam de plantão fazendo jornadas subumanas e sendo displicentes com os clientes, cada vez mais pacientes. Incompetência e prepotência é uma combinação bombástica na área da saúde.

Eu não diria que ser plantonista da PlanoB é uma forma fácil de se fazer dinheiro (para uns mais fácil que para outros), mas, com certeza, é rápida e indolor. Pelo menos para quem não tem sentimentos.

Alice

É uma graça quando abre a boca e jorra todos os fonemas da forma mais rápida e aleatória possível.
É uma inspiração quando acorda sempre de bom-humor, rindo e querendo conversar.
É curiosa e folgada quando mexe nas coisas do pai, pega o controle remoto (seu preferido) e aponta para a TV fazendo força mental.
É amiga quando brinca com a irmã maior, imitando e inspirando-se em sua heroína.
É um anjo quando sai correndo desequilibrada levantando os braços como se fosse voar.
É madura quando mantém a paz parecendo entender o que faz em uma cama de hospital, com soro na veia e a mãozinha imobilizada.
É uma dádiva quando vemos nela nossa personalidade, nossos traços e trejeitos aumentados e aprimorados.
É a evolução da espécie. E mesmo que as coisas boas em mim e na Stela somem só 50, resultarão 100 em Alice.

Idiotas do Natural

Com frequência vou à loja Mundo Verde comprar barrinhas de chocolate sem lactose para a Malu. Na última vez, havia uma cliente que perguntava sobre todos os produtos: “e este aqui?”, “quanto custa?”, “é bom?”. Prestativa, a atendente respondia. Peguei o que queria e fui pagar. A mulher meteu o olho no que eu levava e perguntou:

— O que é isso? Chocolate?
— É.
— E é bom?
— Bem bom.
— Da próxima vez vou levar. Adoro coisas naturais.
— Mas não é “natural”. É só sem lactose.
— Sem o quê?
— É que minha filha tem intole…
— É que eu gosto de coisas naturais, coisas saudáveis. Quanta coisa boa você têm, né? Adorei esta loja. Vou vir sempre aqui. É bom a gente se alimentar bem.
— … (não conseguiria falar nem se eu quisesse).
— Vou vir sempre aqui. Tchau.

Olhei para a atendente que não segurava o riso. “Como tem gente louca.”, eu disse. Simpática, fez apenas uma cara de “nem imagina”, meio que respeitando o meu eu-cliente. Mas não se conteve: “isso foi soft, tem que ver o que aparece”. Lembrei de quando tínhamos uma locadora de DVDs e me solidarizei imediatamente com ela. Se para alugar filmes já se passa por poucas e boas, imagina em uma loja com apelo ecológico, cheia de produtos naturais e  pretenso-naturais.

Nessa moda de ecoengajamentos e preocupações com a saúde de qualquer espécie — na maioria das vezes, totalmente equivocadas — meu pai classifica esses tipos como os “idiotas do natural”. E assim o são. Pessoas que mal sabem o que fazem mas vão na onda.

Faith No More no meu K7

Demorei demais e não vou comentar o show do Faith No More em Porto Alegre. Na real, não tenho muito o que escrever, por dois motivos: (1) pulei e cantei feito um louco, coisa que eu nunca faço em shows, e, então, não tenho nenhuma opinião muito crítica — resolvi me divertir ao invés de ouvir e observar; (2) o Leo escreveu brilhantemente — compartilho de tudo o que ele disse (leia aqui).

Conheci o Faith No More por 1990 (ou antes), no álbum The Real Thing. Fiquei maluco pela mistura de metal, funk e boas melodias. Era totalmente inovador. Era época em que as fitas K7 passavam de mão em mão. A gente locava CDs na Alfaveloca (que nomezinho…) — uma locadora de CDs que tinha em Pelotas, e gravava. Era o nosso paraíso, cheio de discos importados. Eu me considerava o rei da gravação. Achava que fazia melhor do que ninguém. Alguns discos longos, que os outros não conseguiam colocar em fitas, cabiam nas minhas. Eu sabia exatamente quanto tempo tinha de cada lado do K7. Variava de marca pra marca. As Basf 60, por exemplo, comportavam 31:20 em cada face (pelo menos na rotação do meu tape deck Philips). Eu pegava o tempo de cada faixa, somava e, é claro, desconstruía a ordem original dos CDs, programando a sequência ideal de reprodução no aparelho para preencher ao máximo a primeira metade. Assim, sobrava mais espaço do lado B. Nunca faria isso hoje, é claro. (Aliás, os CD-players de hoje — ou, melhor, DVD-players — permitem programar a ordem desejada? Nem sei como fazer). Depois, escrevia o nome das músicas na máquina elétrica da minha mãe, fazia uma capinha com alguma foto de revista recortada, inseria o papel datilografado no lado de dentro e pronto, tinha minha fitinha personalizada “semioficial”. Lembro que a do The Real Thing, tinha uma imagem esverdeada dos 5, recortada de uma Bizz (ou Showbizz, não lembro qual era o nome na época).

Fiquei maluco quando vi na MTV, na casa do Xandi, que tinha antena parabólica, as primeiras imagens da banda. Aquele som que me fascinava agora tinha uma cara. A banda era foda, cheia de estilo, e a expressão de louco de Mike Patton fazia jus à genialidade musical que eu percebia nas melodias. O clipe era de Epic e nem a tosquice da explosão do piano ao final da música comprometia minha devoção.

Em janeiro de 1991, tinham vindo ao Rock in Rio 2, que não fui, mas gravei da TV em VHS. Mike Patton escalando a estrutura metálica do palco é o que eu mais lembro. Logo, comecei a perceber que a banda underground que eu conhecera meses atrás estava conquistando mais fãs pelo mundo. Quando a gente descobre algo antes da grande mídia, se acha meio dono dela. E eu me considerava assim.

Mas no dia 27 de setembro de 1991, vieram a Porto Alegre. “Como? A minha banda favorita aqui?” Claro que eu fui numa excursão. Tinha prova de química no dia seguinte, mas azar. Fui de bate e volta. Acho que era meu primeiro show internacional. O Gigantinho quase explodiu. Quem abriu foi a Maggie’s Dream, do ex-menudo Robby. Que escolha inapropriada! Depois de alvejado por revistas Bizz, distribuídas gratuitamente para o público, todos, em protesto, sentaram-se no chão. O porto-riquenho e sua banda de rock passaram um grande vexame.

Agora, 18 anos depois, para o show em Porto Alegre, juntamos quatro colegas que estavam no Gigantinho em 91 e repetimos a dose. Talvez pela nostalgia do momento é que eu tenha me empolgado tanto e voltado à adolescência. É bom quando você se permite curtir de verdade. Em janeiro tem Metallica.

No Escurinho É Mais Gostoso

As pessoas costumam reclamar quando algumas ruas carecem de iluminação pública. Os motivos são dois: enxergar para deslocar-se e a segurança. Quanto ao deslocamento, se cada um levasse uma vela, um lampião ou uma lanterna, estaria resolvido. Ainda por cima, com muito menos custo do que a manutenção do sistema público exige. Com relação a carros, cada um tem seu farol. Não existem sem. É lei. No quesito segurança, quem conhece pesquisas que indiquem que a falta de luz aumenta a criminalidade? O escuro, o soturno, as sombras são muito usados nas artes para despertar suspense, medo e aflição. Mas quem disse que esses elementos da ficção têm consequências concretas na realidade? Um ladrão enxerga o mesmo que eu, tanto na luz do dia quanto na escuridão. Um estuprador não usa um aparato de visão noturna que lhe dê vantagem visual contra sua vítima. Um vampiro… Nem mesmo um vampiro teria vantagem à noite. Ele teria é desvantagem de dia, pois não suportaria a luz do sol. Mas, nesse caso hipotético, a iluminação pública artificial também não ajudaria, pois é apenas com raios solares que ele padece.

Mas voltando a falar sério… O cidadão está em igual condições visuais com o infrator tanto na luz quanto no escuro. Não é a quantidade de lux que vai garantir sua segurança ou vitimá-lo. Sabe aquela história de deixar uma lâmpada acessa no pátio de casa, na varanda? Sou contra. Quem melhor do que eu conhece minha casa, meu jardim? Quem sabe onde termina a grama, começa a brita; sabe a altura dos degraus, das saliências, a posição das árvores, a distância do muro, onde a mangueira está enrolada? Quem leva vantagem no escuro? É claro que eu. Se nas ruas há um empate, na minha casa, sou o mestre.
Quer outro fato que comprova minha tese? Imagine um pedestre cego. Claro que seria um alvo fácil. Mas agora visualize um bandido também cego pronto para atacá-lo. Claro que sempre o agressor tem a vantagem da iniciativa, mas isso nada tem nada a ver com a condição visual.

Voltando ao vampiro… De repente, algum deputado propõe um projeto para disponibilizar estacas públicas, a cada cem metros, nas ruas, ao lado das lixeiras, caixas de correio ou orelhões. Aí, sim! Se lembram? Já até tentaram algo semelhante com o kit de primeiros socorros e com o cambão nos carros.