Curitiba Rock Festival (parte 1)

Está anunciado no site oficial que, hoje (24/9), os portões do Curitiba Rock Festival se abrirão às 19h. Eu não tenho interesse nem idade mais para agüentar 7 bandas desconhecidas que irão tocar antes. Cada banda não deve tocar mais de 30 minutos. Com mais 15 de intervalo entre elas e considerando um atraso inicial de meia hora, acho que iniciará mesmo pelas 12:45. O jornal local fez a prova dos nove e sugeriu 1 hora da  manhã. Pretendo chegar lá às 10:30 pra garantir.

A banda brasileira Hurtmold cancelou sua apresentação em protesto a não permissão da passagem de som. A organização disse que em nenhuma outra edição do festival houve passagem de som devido ao grande número de atrações e que houve uma falha de comunicação, pois isso já estava estabelecido previamente. Bom, eu acho que um festival que tem pretensão de ser levado a sério possui condições suficientes de passar o som de todas as bandas. Isso é o mínimo de organização que se espera. Mas acho também que essa tal de Hurtmold não deve gostar ou conhecer o Weezer, pois tocar no mesmo festival que os caras já deveria desbancar qualquer pretensão de igualdade de condições. Eu tocaria com a minha banda até de braço quebrado.

Eu estou prestes a ver e a ouvir, ao vivo, a banda que eu mais gostei em toda a minha vida. Estou numa cidade desconhecida, vou ao show sozinho e não sei o que eu vou encontrar. Li no site que eles não permitirão a entrada de câmeras fotográficas profissionais. Espero que não considerem a minha Leica digital, com design retrô, um equipamento nem perto de fazer alguém ganhar a vida com ele. Espero também que o segurança que vai me revistar não seja fã do Sebastião Salgado. Caso contrário, corro o risco dele achar a minha câmera mais sofisticada do que a do “Tião”.

Pra mim o show já seria perfeito se eles tocassem só as músicas do disco Pinkerton. Estou torcendo que as novidades pop dos últimos três álbuns sejam deixadas em segundo plano.

Tomara que tenha banca de camisetas oficiais. To louco por uma, ou duas, com o “flying ‘w'”. Vou chegar lá e, antes de mais nada fazer um reconhecimento de terreno para não perder nenhuma oportunidade capitalista. Vou tentar ficar bem posicionado, mas fora da zona do fedor.

São 10h e estou chegando no Curitiba Master Hall (sim, foi transferido da Pedreira Paulo Leminski para cá). Eu havia comprado ingresso para os dois dias pois custava apenas 15% a mais do que para um só. Minha intenção era vender o do dia 25, o que tornaria meu passe mais econômico. Estou quase na porta quando um cambista me aborda: “quer comprar ingresso?”. “Não, quero vender.” Fecho negócio e entro.

O segurança me revista, pede para eu abrir minha bolsa. Falo que é minha câmera dentro do case. Ele nem olha. Poderia ter entrado até com a mini DV. Pego um program e faço meu reconhecimento de terreno do lado externo.

Tendas de camisetas, modinhas, CDs, comida e só. Não tinha nada que me agradasse. Resolvo entrar.

O Vendedor de Cestos

Era uma vez um vendedor de cestos de vime. Ele vivia viajando, de vila em vila, com sua charrete cheia de produtos. Certo dia, quando atravessava uma ponte sobre um pequeno córrego, ouviu uma voz lhe chamando: “olá?”. O vendedor ordenou que seu cavalo parasse, olhou para um lado, olhou para o outro mas não viu ninguém. Resolveu prosseguir viagem, mas antes que chacoalhasse as rédeas de seu animal, ouviu outra vez o chamado: “olá?”. O homem ficou pasmo. De onde viria aquela voz? Parecia estar tão perto, mas não via ninguém. Parecia vir de baixo da ponte e, então, resolveu debruçar-se sobre ela e averiguar se, ali, algum sem-afazeres estaria escondido, querendo rir do seu infortúnio. Mais uma vez, não encontrou nada. Começou a ficar temeroso. Seria um mau espírito que proferira aquele chamado? Não. Certamente que não, pois o som era suave. A não ser que a alma penada estivesse tentando aparentar coisa que não era. Definitivamente, não. Até porque não acreditava em coisas do outro mundo. Só que, de repente, quando se levantava da ponte para retornar sua viagem, avistou um pequeno peixe no rio. Era um bichinho amarelo, com a cabeça para fora d’água. “Posição estranha para um peixe”, pensou, e logo ouviu ele falar: “olá?”. “Santo Deus!”, exclamou. “É o peixe que está falando!”. “Olá?” Indagou novamente o bichinho. “Quantas vezes mais precisarei chamar?”. O vendedor, apesar de perplexo com aquela situação surreal, resolveu, mesmo incauto, responder:

– Olá! Você fala?
– Não. É uma alucinação – falou irônico.
– Engraçadinho. Então, me diga, o que você deseja?
– Eu gostaria de pedir para o seu cavalo fazer menos barulho com suas patas. Estou tentando dormir.
– Ah, por favor. Eu tenho trabalho para fazer; cidades a visitar; cestos a vender. Você interrompeu minha viagem para isso?
– Não, claro que não. Não vê que estou a ludibriar de sua perplexidade.
– Então, fale logo, que preciso prosseguir.
– Vou lhe fazer três perguntas, se você acertar duas, pode seguir viagem. Mas se errar duas, sua jornada se encerrará por aqui.
– A-rá-rá – riu o viajante – Até parece que um peixinho irá me deter.
– Você tem medo das minhas perguntas?
– Não. Muito menos da sua ameaça.
– Então, aceite o meu desafio.
– Está aceito. Mas seja breve que meu tempo urge e já está anoitecendo.

O peixe deu um mergulho e voltou à superfície com a primeira pergunta:
– Qual o seu nome?
– Hein? Esta é a pergunta? Você acha que eu não sei o meu nome?
– Apenas responda, por favor.
– João, O Vendedor. Não vai dizer que eu errei, não é?
– Não. Parabéns. Você acertou a primeira pergunta.
– Vamos logo para a segunda, preciso acertar para prosseguir viagem.

O peixe mergulhou novamente e voltou com a segunda questão:
– Qual o nome da próxima cidade em sua rota?
– Si…
O vendedor, abriu a boca para responder mas hesitou. Sabia que o nome iniciava com “Si”, mas não se lembrava se era “Sinar”, “Sigrer” ou “Siletus”.
– E agora, meu Deus? Como fui esquecer?
– Fale logo, homem, não estás com pressa? – indagou o peixe.
– Ã… Ã… Sinepe. Disse.
– É, meu amigo. Você errou. A cidade é Sinate. Você não sabe nem pra onde está indo?
– Claro que sei.
– Errou novamente – disse o peixe. Você não deveria ser tão apressado em responder. Essa era a terceira pergunta…
– Mas você nem mergulhou…

De repente, o peixe deu um pulo para fora do córrego, sua boca ficou gigantesca e ele engoliu, de uma só vez, vendedor, charrete, cavalo e cestos. O peixe reduziu de tamanho e mergulhou novamente no lago. Cinco minutos depois, outro vendedor de cestos atravessava a mesma ponte, quando ouviu lhe chamarem: “Olá?”

O sei-lá que não vem

Sempre fui resistente a acreditar em qualquer coisa que eu não possa esticar o braço e tocar. Isso inclui dinheiro que eu ainda não recebi, filme que eu ainda não vi, promessas, deuses, lobisomem, conversas-pra-boi-dormir etc. Isso pode parecer pobreza de espírito, mas eu prefiro não depender do pode-ser ao estipular meus valores de bem e de mal. Apesar disso, tento manter o máximo respeito pelas coisas que os outros acreditam.

Já faz alguns anos — talvez uns seis — que eu não arranjo explicação lógica alguma para coisas que acontecem.

Começou comigo andando na rua. De repente, achei que via um conhecido. Olhei melhor e percebi que estava enganado. Ao dobrar a esquina topo com a pessoa. Se isso acontecesse uma vez lá que outra, eu diria “coincidência”. Se eu me enganasse a toda hora achando que vira alguém, mesmo que não esbarrasse com ela em seguida, também poderia desconfiar que as poucas confirmações não passariam de acaso. Só que tal fato começou a acontecer com frequência tamanha que fica difícil fingir que não é comigo.

Recentemente as manifestações mudaram um pouco de representação, mas continuam se baseando no mesmo tipo de sensibilidade. Eu penso que algo pode acontecer e, volta e meia, acontece. Isso inclui, com maior incidência, encontrar pessoas que eu pensei que encontraria em lugares não-prováveis.

Não sou estudioso no assunto, mas de repente sou sensível à aura da pessoa. Ela está ali, eu não vi com os olhos, mas senti de alguma forma. Corro o risco de parecer meio ridículo para alguns. Não pretendo buscar qualquer tipo de orientação ou conhecimento sobre o assunto — como falei, continuo bastante cético, apesar de respeitoso — a não ser que as coincidências aumentem em número e expressividade.

O Grande 69

Todas as teorias que dizem que o homem nunca foi à lua, começam a fazer sentido para mim. Sempre encarei as histórias de que Kubrick teria sido contratado pelo governo norte-americano, em 1969, durante a Guerra Fria, para fazer as imagens dos primeiros passos em solo lunar, como causos pitorescos e divertidos, principalmente as alegações técnicas de iluminação das imagens etc. Então, agora, alguém da NASA, do “MAZZA” ou do “SEASA”, por favor me explica como é que, depois de 36 anos de desenvolvimento tecnológico, depois de todos os acidentes fatais com ônibus espaciais e, principalmente, depois dos 2 bilhões de dólares investidos somente para aumentar a segurança da atual viagem da Discovery – como, pelo amor de Deus? – a mesma tal “esponja”, que se soltou na decolagem da Columbia e foi a responsável pelos danos que causaram a explosão da nave na volta à Terra, desprende-se novamente, exigindo que reparos sejam feitos no espaço pelos astronautas? Será que 2 bilhões de dólares não são sufientes para comprar toda a silver tape do mundo e fazer um reparo de qualidade? Minha filha, de 7,5 meses, não deixa cair a esponjinha quando decola da banheira, após o banho. Uma vaca, depois que leva choque em uma cerca elétrica, aprende e nunca mais chega perto de outra. Realmente, pra mim, o homem não chegou à lua coisa nenhuma. Na verdade, nem descobriu a América. Eta, bichinho troncho.

Raquelzinha no Paraguay (parte 2)

(continuação do post anterior)

O homem estava com a cabeça baixa, contando o dinheiro. Eu cheguei perto. Ele nem me olhou. Comecei a falar. Ele não levantou a cabeça: “sou a Raquel. O senhor prometeu me devolver o dinheiro. Eu vim buscar.” Ele parou de contar o dinheiro. Não olhou na minha cara. Respirou fundo. Pensei que ele fosse tirar uma arma de baixo do balcão, como acontece nos filmes. Mas não. Ele voltou a contar o dinheiro. Separou um montinho e me entregou. Apesar de eu estar bem perto, ele pediu para uma das funcionárias cor-de-rosa fazer a entrega: “dá pra ela.” E, novamente, ficou mudo. A menina me deu o dinheiro e eu fui embora. O Seu Muhamed era legal. Pelo menos pareceu legal comigo. Era quase como se fosse meu “amigo”. Agora, eu podia ir embora, ou quase.
Além de toda a minha função, eu tinha ido para o Paraguay com uma encomenda de uma amiga – trazer a câmera mais barata que eu encontrasse para ela dar aos filhos. Comprei uma por 99 dólares e voltei pro ônibus. Só que ainda não iríamos embora. O ônibus precisava esperar até a hora combinada para partir. Aos poucos, os passageiros retornavam com suas sacolas e iam sabendo do meu feito: “O quê? A Raquel conseguiu o dinheiro de volta? Eu nunca vi isso acontecer em 20 anos que trabalho nisso.” A hora marcada chegou, mas duas pessoas ainda não tinham voltado. Não interessava, era preciso partir, como o combinado. Jogaram as malas deles para fora do ônibus para pegarem depois no estacionamento. É assim que eles fazem. Quem pensa que os problemas tinham acabado se enganou. Estavam apenas começando.
A volta, para quem traz muamba, é sempre mais tensa do que a ida. Na ida, o perigo é de assalto. Na volta, a apreensão da mercadoria é que preocupa. Aquela era a maior compra do ano deles. Todos eram camelôs e estavam com o dinheiro ganho do Natal. A cada carro que ultrapassava, a cada posto policial, o perigo era iminente. Eu estava tranqüila, afinal, não tinha comprado nada de valor nos “hermanos”; pelo contrário, tinha vendido! Eu só tinha dinheiro e ninguém assalta um ônibus na volta, porque não há grana alguma. Foi quando me dei conta: eu era a única a ter dinheiro; a única que teria como, sob pressão dos viajantes, oferecer uma, digamos, “gentileza” aos policiais no caso de uma batida. “Ah, não! Perder o meu dinheiro, não!”
E não é que mandaram parar o ônibus, bem na última barreira? Eram cerca de 2 da madrugada e nós já estávamos no Rio Grande do Sul. “Desce todo mundo do ônibus!”, gritou o policial. O pessoal da excursão já era todo meu amigo e me alertaram para esconder a camerazinha. Iriam revistar primeiro as mulheres. Então, eu dei a câmera para o motorista. O manual, coloquei dentro de um banco rasgado. Em troca do favor do gentil condutor, depois da revista feminina, enchi meus braços de relógios, as calças de placas de computadores e a mochila de controles de videogames, além de colocar a camerazinha da minha amiga na calcinha. Ninguém iria procurar ali. As revistas continuaram. Tiraram as sacolas do ônibus, averiguaram todo o veículo e acharam o manual que eu tinha escondido. O oficial perguntou em voz alta: “onde está a câmera desse manual?”. Todo mundo sabia que a câmera era minha. Raciocinei o mais rápido que eu conseguia e inventei uma história: disse que havia levado para consertar e que os manuais eu não tinha devolvido. Eles não acreditaram. Pediram para ver a minha mochila. Me seguraram pelo braço e descobriram os relógios e os controles de videogame na bolsa. Eu jurei pra eles que eu não era contrabandista; que eu era jornalista. Pediram para ver meu registro, mas eu não tinha. Encontraram uns remédios que eu tomo sob prescrição médica na minha bolsa e pediram a receita. Eu também não tinha. “Você sabia que tráfico internacional de medicamentos é pior que contrabando?”. “Ai, meu Deus!”. Eu tava ferrada. Expliquei direitinho, fiz cara de choro, implorei e disse que eu não era camelô. Fiquei dizendo isso o tempo todo. E parece que funcionou, pois eles acreditaram em mim. Não sei como, mas eu consegui. E nem precisei usar o meu dinheiro (é claro que eu nem faria isso). Ainda salvei as placas de computador do motorista. Mas deram cota zero para todo o mundo e apreenderam o ônibus. Coitado do pessoal.
Eu estava em uma cidade desconhecida, mas lembrei que tinha um amigo que morava lá e liguei pra ele. Ele era da aeronáutica e foi me buscar de uniforme. “Que vergonha!”. Parecia que eu estava acorbertada por gente graúda. Ele me emprestou dinheiro para a passagem, pois eu só tinha dólares, e voltei pra minha cidade de ônibus de linha. Eu estava há 3 dias sem dormir e comer direito. Ah, e sem tomar banho, também. Pobre da câmera da minha amiga.
No final das contas, resolvi comprar o equipamento que eu queria de São Paulo. Paguei três vezes mais, mas não me arrependi. O trabalho que fiz para essa grande empresa foi incrível; uma das experiências mais importantes da minha vida, depois da viagem ao Paraguay, é claro.

Raquelzinha no Paraguay (parte 1)

A Raquelzinha é um quadro. Recentemente, ela se meteu em uma aventura bastante pitoresca. Resolvi escrever a história, através do depoimento dela, para enviarmos ao quadro Retrato Falado do Fantástico. Publico aqui ela na íntegra. É grande, mas pitoresca.

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Meu nome é Raquel, tenho 25 anos, moro em Pelotas, Rio Grande do Sul. Sou formada em Comunicação Social nas habilitações Jornalismo e Publicidade & Propaganda. Trabalho em uma agência como produtora gráfica, mas minha maior paixão é a fotografia. Já participei e/ou desenvolvi diversos projetos e exposições. No final de 2004, uma grande empresa, de expressão nacional e internacional, me contratou como fotógrafa para registrar os aspectos sociais, econômicos e ambientais de 17 cidades do sul do meu Estado. O meu equipamento fotográfico profissional, até então, era convencional (a base de filme 35mm), só que para aceitar a proposta com a agilidade exigida, eu precisaria adquirir um equipamento digital. E é, aí, que começa a minha aventura.
O preço do equipamento que eu pretendia comprar, no Brasil, era 3 vezes maior do que no Paraguay e consumiria quase todo o dinheiro que eu havia cobrado pelo trabalho. Não pensei duas vezes em pedir um favor ao amigo de um amigo de um amigo que estava indo para lá – ele só faria isso só para uma amiga de um amigo de um amigo. “É claro” que não era nada profissional ou ilegal. Era algo quase íntimo. Digamos, um favor comissionado. Mal sabia eu que meus problemas já estavam iniciando.
Já que o equipamento era profissional – algo bem específico – resolvi fazer uma pesquisa de preços nas lojas paraguaias por telefone. Achei o lugar que tinha o que eu queria, negociei o preço e mandei ele ir, especificamente, lá. A loja não fazia parte das que ele freqüentava habitualmente e, para piorar as coisas, estávamos perto do Natal – época de grande movimento comercial na fronteira e período em que a fiscalização é redobrada. Mesmo assim, cinco dias depois, nosso “amigo” volta, são e salvo, com a minha câmera. Paguei o combinado e fui pra casa. Eu estava algariadíssima, como uma criança que ganha um novo brinquedo. Mal podia esperar para chegar, carregar a bateria e começar a fotografar tudo. Só que o que aconteceu foi um pouquinho diferente disso. A primeira foto que eu bati saiu com um risco. O sensor da máquina estava com defeito. Eu bem que tinha sido avisada sobre os possíveis inconveniente de se comprar do Paraguay. É claro que o amigo do amigo do amigo, a essa altura, não era mais amigo de ninguém e não se responsabilizou pelo produto defeituoso – afinal, eu tinha dado o endereço de onde ele deveria comprar e ele seguiu a risca o meu pedido e tratava-se de um favor. Mais do que imediatamente, liguei para a loja, falei com o dono – chamaremos ele aqui de Seu Muhamed. Eu combinei que mandaria o equipamento de volta e ele devolveria meu dinheiro. Pelo menos essa troca, o “amigo” concordou em fazer em sua breve próxima viagem. Só que, alguns dias depois, quando ele retornou, me apresentou, ao invés do dinheiro, uma outra máquina. “Bom”, pensei eu, “se estiver funcionando desta vez, caso encerrado”. E ela estava, só que ao analisá-la com maior atenção, descobri uma etiqueta de conserto, feito no Brasil. Ou seja, além de usado, o equipamento era recauchutado. Eu não queria. Paguei por novo, quero um novo. O “amigo” disse que não quiseram devolver o dinheiro e que ele foi obrigado a trazer outra câmera: “ninguém devolve dinheiro no Paraguay!”, exclamou com veemência. Foi aí que ele me falou que, se tivesse que levar o equipamento em sua próxima viagem, não se responsabilizaria por uma apreensão na fronteira – “muy amigo”. As coisas estavam se complicando. O Natal já tinha passado. Eu estava perdendo tempo e dinheiro. Precisava resolver sozinha a situação.
Fui eu para o Paraguay. Peguei o primeiro ônibus que estava saindo. Era uma excursão cheia de “amigos”. Na viagem anterior, haviam sido assaltados na ida e o motorista baleado. Não é preciso dizer que o clima da viagem era muito tenso. Tinha uma velha atrás de mim que não parava de falar no assalto; rezava a cada freada do ônibus. Outro, do meu lado, não acreditou no que eu iria fazer e reforçou o que o “muy amigo” tinha me dito: “ninguém devolve dinheiro do Paraguay”. Além disso, eu não conhecia nada do lado de lá da fronteira. Combinei, então, com o dono da excursão, que ele me levaria na loja do Seu Muhamed. Para o meu desespero, mais um problema inesperado aconteceu: o homem começou a ter uma crise de visícula. Era tão forte que o ônibus precisava parar em todos os postos de pedágio para ele ser sedado. Não era difícil imaginar o estado dele quando chegamos ao Paraguay? Dormia feito uma pedra e eu não conseguia acordá-lo. Sacudia de um lado, sacudia do outro, gritava e nada. O alarme do relógio dele não parava de tocar e ele não ouvia, também. Todo mundo já tinha saído do ônibus rumo a suas compras e eu, ali, cutucando o homem para que despertasse de seu sono induzido. Finalmente – eu sou bastante insistente –, consegui. Pegamos a perua, com mais umas 30 pessoas e atravessamos a Ponte da – vejam só – “Amizade”.
Ainda eram 6 horas da manhã, mas a visão que tive ao chegar do outro lado da ponte era, no mínimo, dantesca. Muita poeira no ar; milhares de pessoas se acotovelando, com caixas, sacolas. Gente tomando tererê e cuspindo no chão; cuspindo nas outras pessoas. Parecia uma cena do filme Mad Max. Eu me sentia lá – o mundo acabou e aquilo era uma das poucas civilizações remanescentes, lutando pelo pouco de água que sobrara, ou pior, por equipamentos eletrônicos e luzinhas de Natal. Onde eu fui me meter?
Andamos, andamos, nos perdemos, nos achamos, nos perdemos. Até que, ao encontrar a loja, apesar de todas as outras já estarem abertas, as portas estavam fechadas. Parece que o Seu Muhamed tinha dormido tarde na noite anterior. Eu fiquei torcendo que, pelo menos, tivesse dormido bem. Na frente da loja, além de alguns clientes que aguardavam, estavam umas moças de uniforme cor-de-rosa, batom cor-de-rosa, tiara cor-de-rosa e meia calça cor-de-rosa. Eram funcionárias da loja. Eu realmente acreditei que estava no futuro – um futuro decadente, pobre, sujo, mas, ao mesmo tempo, tecnológico. De repente, uma poeira (maior ainda) levantou no horizonte. A multidão começou a abrir caminho. Eu vi um carro. Um BMW, um Mercedes, um Audi, sei lá. Um desses carrões pretos que o pessoal da máfia usa. A porta se abriu e Seu Muhamed desembarcou. A loja se abriu e ele entrou. Ele parecia o Osama Bin Laden. Todos foram atrás, inclusive eu. Uma das funcionárias cor-de-rosa me atendee. Expliquei a situação e ela me pediu a nota fiscal. Mas eu não tinha nota. Onde se viu nota fiscal no Paraguay? Ela me disse que, então, a devolução do dinheiro era impossível. Não me dei por vencida e falei: “quero ver o Seu Muhamed!”. Com ar irônico, ela apontou para o caixa e disse: “é ele, boa sorte”.
(continua acima…)